20 Mar 2023
9 min

No Alqueva, o solar fotovoltaico flutuante traz inovação e sustentabilidade

Foi inaugurada em 2022 e aponta para o futuro da energia: inovação de mãos dadas com os ecossistemas.

A central solar flutuante do Alqueva, iniciada depois do sucesso do projeto-piloto na Barragem do Alto Rabagão, deu origem à maior plataforma de produção de energia solar flutuante numa albufeira, na Europa. Os feitos deste projeto não estão, no entanto, apenas na sua dimensão - houve múltiplas questões técnicas a serem ultrapassadas e que fazem dele um exemplo a seguir, já que o conceito aqui presente poderá ser replicado em outras albufeiras.

Inovar o que já existe: é possível?

Há várias camadas de inovação num projeto desta natureza - desde o momento da idealização até à realidade. Vale por isso a pena uma viagem pelas suas diversas etapas para compreender o que trouxe de novo e quais os seus inequívocos benefícios.

Criar algo de raiz é sem dúvida entusiasmante. Mas inovar também pode ser analisar o que existe e como se pode tirar partido adicional. Foi com este pensamento que nasceu este nosso projeto: olhando para infraestruturas já existentes, como as barragens, e pensando em formas de aumentar o seu potencial.

Da imensidão da água aliada à energia solar surgiu a ideia de criar uma central solar flutuante. Neste sentido, o projeto do Alqueva veio confirmar o inovador conceito de testado no piloto desenvolvido na barragem do Alto Rabagão. Este tipo de hibridização já tinha sido experimentado em outros pontos do mundo e mostrava-se não só possível, mas uma ótima solução que reúne inúmeras vantagens:

  • Aliar as duas fontes de energia - hídrica e solar, permite tirar um maior proveito de apenas um ponto de acesso à rede (o da barragem). De facto, esta opção de juntar uma nova tecnologia ao mesmo ponto de ligação à rede, fez nascer o conceito de hibridização pela primeira vez em Portugal. A vantagem é clara:  usa o mesmo ponto de ligação – que é um bem escasso e aumenta a sua capacidade de utilização – uma vez que um ponto de ligação não é utilizado na sua totalidade ao longo de um dia.
     
  • Um outro aspeto positivo neste projeto é o facto de não ser necessária a construção de novas linhas de transmissão elétrica, uma vez que a central flutuante usa a mesma infraestrutura existente para a energia produzida pela barragem.
     
  • A adição de uma central fotovoltaica flutuante promove assim a complementaridade, uma vez que, grosso modo, quando faz chuva (e se produz energia através da água) não faz sol e vice-versa.
     
  • Um outro aspeto que também importa ressalvar é que a construção da central no espelho de água da barragem permite manter os terrenos disponíveis para, por exemplo, a agricultura ou atividades recreativas, além de em termos ambientais e paisagísticos ser menos impactante que uma solução em terra.

A aposta na hibridização, ao aliar energia elétrica produzida da água, sol, vento e armazenamento, é uma via lógica de crescimento em que a EDP continuará a investir – permite produzir energia mais barata, otimiza recursos e com o mínimo impacto ambiental.Miguel Stilwell d’Andrade, CEO da EDP, durante a cerimónia de inauguração da Central Solar Fotovoltaica Flutuante de Alqueva.

Os desafios da hibridização

Ao chegar à conclusão de que uma plataforma fotovoltaica flutuante ligada ao mesmo ponto de ligação da central hidroelétrica seria a solução ideal, o projeto tinha mais um desafio técnico: a sua construção numa albufeira associada a uma barragem. O título de “maior da Europa numa albufeira” pode parecer uma especificação sem peso, mas a realidade é que construir numa albufeira como a do Alqueva é um desafio de engenharia - pela localização em vales muito profundos (com quase 70 metros de profundidade), pelas margens com declives muito pronunciados e pelas oscilações do plano de água de mais de 20 metros.

Dada a configuração da albufeira na zona de instalação, a plataforma teve de ser amarrada a profundidades diferentes, com o especial cuidado de que os seus sistemas de fixação não poderiam ser rígidos. Num aspeto tão técnico como este, é importante que outros projetos de inovação apareçam de forma a ganhar-se alguma experiência e orientação, como aconteceu com o FreShER, que permitiu testar soluções como o sistema de amarração, sistema este que inclui cabos elásticos especiais que permitem à plataforma acompanhar a subida ou descida do nível da água.

Como o nível da albufeira varia ao longo dos meses, as amarrações deveriam ser elásticas o suficiente para permitir as variações de nível entre o mínimo e o máximo esperado, e ao mesmo tempo garantindo que a plataforma não se movesse, contrariando a ação do muito vento que se faz sentir nesta zona. Tudo isto foi um complicado exercício de engenharia que seria mais simples num reservatório de água em betão, por exemplo, como já existe noutros pontos do mundo.

Bem-vindos ao futuro da energia na Europa

Houve ainda a decisão de adicionar uma outra camada de inovação: uma bateria com potência nominal de 1 MW e capacidade de armazenamento de cerca de 2MWh, um elemento essencial para manter a estabilidade da rede quando estamos perante energias renováveis, já que a produção não é linear, mas sim instável, ditada por elementos naturais. Sempre que aparece uma nuvem, ou uma manhã de nevoeiro, a curva de produção de energia solar sofre uma queda. A existência de uma bateria permite armazenar a energia produzida pela central flutuante em momentos de maior produção (exposição solar) e exportar para a rede nos momentos em que esta produção solar é menor.

Mas nos aproveitamentos hidroelétricos isto não é uma novidade. No Alqueva já se armazena energia em forma de água nos dias em que este elemento está em excesso, para gerar energia nos dias de maior procura. Isto graças a um sistema de bombagem que quando é acionado consome energia produzida pela central solar flutuante.

Cria-se assim, com este complexo híbrido de produção uma espécie de ecossistema muito próximo do que será a produção de energia num futuro na Europa com alta penetração de renováveis, permitindo maximizar o uso de energia renovável, assegurar a estabilidade da rede e com um impacto muito reduzido para o meio ambiente.

Impacto reduzido no meio ambiente

“O que está por trás da linha de pensamento que levou a este projeto é: o que é que nós podemos fazer que tenha o menor impacto no ambiente? Temos de ter a intenção não só de fazer um projeto que seja solar, eólico ou de outra fonte renovável, mas um projeto que tenha o mínimo impacto possível no ambiente e a mínima utilização possível dos recursos naturais. É isto que move este tipo de projeto”, afirma Miguel Patena, responsável pelo projeto da Central Solar Fotovoltaica Flutuante de Alqueva à data da inauguração.

Um dos descritores mais relevantes nos estudos ambientais deste tipo de projetos é o da Paisagem, em que os seus impactes podem ser considerados positivos por uns e negativos por outros. As preocupações ambientais estão, de facto, na génese deste projeto, e isto não está apenas na aposta nas energias renováveis e aproveitamento de infraestruturas, mas também na forma como a engenharia foi pensada para, através da inovação, apontar caminhos para a redução da pegada ambiental.

Tradicionalmente, os painéis de uma central solar flutuante assentam em flutuadores de plástico. A antever este futuro, e porque a EDP está comprometida com a sustentabilidade e com a promoção da economia circular, a EDP lançou o desafio à Amorim Cork Composites, comercializadora de cortiça, e à Isigenere, fabricante de flutuadores, para produzirem um flutuador com menor pegada de CO2. Juntas, as três empresas desenvolveram um flutuador inédito, feito com compósitos de cortiça e HDPE (plástico reciclado), ao contrário dos outros, feitos inteiramente de plástico virgem.

Em suma, estes flutuadores têm uma pegada carbónica inferior em cerca de 30%, face aos tradicionais, e o plano das duas empresas é continuar a parceria para desenvolver flutuadores neutros em carbono. A sua cor azul fica bem camuflada na água.

flutuadores Alqueva

O que temos agora e o que nos reserva o futuro?

Quem atravessa a grande estrutura da barragem pode parar por uns instantes ao centro para admirar o futuro. De um lado a obra do artista João Louro que celebriza a frase “On a clear day you can see forever”. De outro, é um espelho fotovoltaico sobre outro espelho, o de água. O conjunto de cerca de 12 mil painéis — exatamente iguais aos que se instalam, por exemplo, nos telhados de um prédio — flutuam sobre cerca de 25 mil flutuadores, numa área de quatro hectares.

Foram instalados com uma inclinação de 5 graus e orientação este-oeste, o que pode parecer estranho — já que os painéis em terra, em Portugal, têm uma inclinação ótima de 30 graus e estão orientados a sul— mas esta é a melhor forma de resistir ao vento e aproveitar toda a área, reduzindo as sombras e prolongando as horas de produção. O resultado são 7,5 GWh de energia anuais que vão beneficiar 1500 famílias da região.

Apesar destes números serem grandes, é preciso ter em conta que a área desta plataforma é 6000 vezes mais pequena do que a área total da albufeira – ou seja, a plataforma ocupa o equivalente a 0,016% da área total da albufeira. “Se 3% da área do Alqueva estivesse ocupada com painéis solares, havia 97% de área ainda liberta para todas as outras atividades”, precisou o Primeiro-Ministro António Costa, durante a inauguração do projeto de julho de 2022.

É possível continuar a aumentar a produção aqui feita sem canibalizar este espaço de incrível beleza natural e com muitos outros usos para a economia local. Por agora, a EDP planeia adicionar 70 MVA em solar flutuante à energia que já produz no Alqueva, capacidade essa ganha no primeiro leilão de solar flutuante realizado em Portugal este ano.

Estes cerca de 70 hectares de painéis não vão estar ligados à infraestrutura elétrica da barragem, mas sim diretamente à rede de transporte e vão estar hibridizados com eólico, outra fonte complementar do solar — no inverno há menos sol e mais vento, no verão, o contrário. Serão mais 70 MVA em solar e 70 MW em turbinas eólicas colocadas a alguns quilómetros da albufeira.

fotografia da barragem do Alqueva, com a plataforma de solar flutuante e a obra do artista João Louro com a frase “On a clear day you can see forever”

O caminho para a descarbonização

“O Alqueva é hoje um exemplo de inovação e sustentabilidade, que iremos reforçar em breve com o novo projeto ganho no primeiro leilão solar flutuante em Portugal”, resume Miguel Stilwell d’Andrade, acrescentando que “a EDP é pioneira a nível global na tecnologia solar flutuante, que é um salto marcante na expansão das renováveis e no acelerar do processo de descarbonização”.

A União Europeia tem o compromisso de atingir a neutralidade carbónica até 2050 e, com projetos inovadores como este, além de contribuir para o objetivo comum, a EDP vai mais longe. A nossa meta de ser 100% verde até 2030 está estabelecida. Esta meta para o futuro próximo começa a ser conquistada no presente e o investimento em energia solar é uma chave.