08 Abr 2021
10 min

 

Lourdes Castro tinha 70 anos quando ganhou a primeira edição do Grande Prémio Fundação EDP Arte, a primeira grande distinção de carreira atribuída a uma artista que, em 2020, foi agraciada com a Medalha de Mérito Cultural, “uma homenagem há muito devida a uma artista maior da cultura portuguesa, não só pelo seu talento e criatividade, mas também pela influência e pelo respeito que lhe têm os criadores contemporâneos, seja enquanto artista, seja enquanto exemplo de postura estética e ética”, explica Graça Fonseca, Ministra da Cultura.

A vontade de distinguir percursos e linguagens singulares marca o ADN dos prémios de arte da Fundação EDP - tanto do Grande Prémio como do Prémio Novos Artistas. Há vinte anos eram muito poucos os prémios artísticos. “Quando aparecemos e distinguimos pessoas como, por exemplo, o Mário Cesariny, que já era conhecido, não como artista plástico, mas como poeta, mostrámos que o que pretendíamos com os prémios era diferente do que já existia”, recorda João Pinharanda. O mentor dos vários prémios da Fundação EDP destaca ainda que “aparecer no panorama artístico de um país como Portugal, um prémio que, na altura, era o mais valioso em termos monetários, e além disso oferecia uma exposição e condições de trabalho aos artistas que nenhum outro prémio, nem antes nem depois, alguma vez forneceu, faz com que estes prémios da EDP marquem um antes e um depois na arte em Portugal. O prémio funcionou como uma espécie de acelerador das carreiras destes artistas. E não só dos que ganharam os prémios, mas dos que participaram nas várias exposições”. Para João Pinharanda, “os prémios EDP foram pioneiros e particularmente essenciais, tendo em conta o panorama nacional”.

“Demos sempre os prémios a alguém que não se estava à espera e não porque tivesse feito alguma coisa interessante no ano anterior, mas porque efetivamente tinha uma vida e uma carreira interessantes”, João Pinharanda

Um retrato, de resto, incontestado, até pelas gerações mais jovens, como é o caso de Inês Grosso, curadora no MAAT. Quando os prémios começaram ainda era uma aluna de Secundário. Mas nunca teve dúvida da importância destes prémios, que se revelaram paralelos ao seu próprio percurso: “Os prémios tornaram-se pilares da Fundação EDP, mas também referências para quem está a estudar artes, e para quem trabalha em arte. Posso dizer que me formei como curadora ao mesmo tempo que as gerações do Prémio Novos Artistas se foram formando.”

Oasis ao entardecer - exposicao
Créditos: Gonçalo Rosa Silva

Dar outra importância à palavra confinamento

As exposições fizeram sempre parte do ecossistema dos prémios da Fundação EDP. Isto porque, tanto no Grande Prémio, como no Prémio Novos Artistas, parte da distinção se concretiza justamente dessa forma: na oportunidade de realizar uma exposição, individual ou coletiva. Para alguns destes artistas, sobretudo nos primeiros anos dos prémios Novos Artistas, esta foi, aliás, a sua primeira grande oportunidade expositiva.

É por isto que, pareceu uma solução natural, que as duas décadas de prémios fossem assinaladas justamente desta forma: através de uma exposição, inaugurada em outubro de 2020 e abruptamente interrompida por mais um confinamento, resultante do agravamento da pandemia de COVID-19 em Portugal. Curiosamente, foi no isolamento do primeiro confinamento que nasceu a exposição Um Oásis ao Entardecer, como explica a curadora Inês Grosso: “A exposição começou a ser pensada em pleno confinamento, o que significou que os artistas tiveram mais disponibilidade - esta exposição foi o Oásis, numa altura em que tantos projetos foram cancelados ou adiados. Desde o início que sabíamos que queríamos celebrar a importância dos artistas e dos prémios num contexto nacional, sem, no entanto, fazer um salão de troféus e muito menos colocar os artistas em competição entre eles.”

Oasis ao entardecer - exposicao
Créditos: Bruno Lopes

Mais uma vez influenciada pelo cenário pandémico, Inês Grosso, delineou uma exposição onde a palavra “contaminação” ganhou um significado positivo, contrariando aquilo que eram as notícias diárias. “Estávamos a ouvir todos os dias a palavra contaminação e percebemos que queríamos, nesta exposição, tentar encontros e contaminações, um momento de celebração conjunta, sem hierarquias - são todos artistas que venceram, que fizeram carreiras nacionais e internacionais - e sem dar importância excessiva a diferenças geracionais, privilegiando antes uma certa horizontalidade.”

Aos artistas envolvidos - todos os que já venceram um prémio Fundação EDP - foi então pedido que olhassem para a palavra contaminação de maneira positiva e que celebrassem nesta exposição os seus percursos, mas também os percursos de outros vencedores que os contaminaram de forma positiva. E foi assim que André Romão criou uma secção em plexiglass em homenagem a Lourdes Castro, que Vasco Araújo celebrou a obra poética de Mário Cesariny ou que Gabriel Abrantes criou um livro infantil inspirado em trabalhos de Eduardo Batarda.

Oasis ao entardecer - exposicao
Créditos: Gonçalo Rosa Silva

O futuro da arte em tempos de pandemia

Os vinte anos dos prémios Fundação EDP assinalaram-se naquele que foi seguramente um dos mais difíceis anos para a criação artística de que há memória, não apenas em Portugal, mas no mundo. E a adversidade prolonga-se pelo ano de 2021, que arrancou com mais uma vaga da pandemia de COVID-19 e os equipamentos culturais em Portugal encerrados - encerramento esse que ditou que a exposição Um Oásis ao Entardecer fosse subitamente interrompida, em janeiro de 2021.

Num ano em que se prepara a divulgação de mais um Grande Prémio e o arranque de mais uma edição dos Prémios Novos Artistas, Inês Grosso não tem dúvidas: “Os prémios da Fundação ganham ainda mais importância no cenário em que vivemos. A situação é difícil para muitos artistas. A distinção tem sido muito importante ao longo dos últimos anos, para permitir uma série de projetos artísticos que dificilmente seriam possíveis sem o apoio de instituições como a Fundação EDP.”

Oasis ao entardecer - exposicao
Créditos: Bruno Lopes

Mas neste oásis criativo, tanto Inês Grosso como João Pinharanda estão otimistas quanto ao processo criativo, consequente da pandemia, como sublinha a curadora do MAAT: “Os artistas estão a ter muito tempo para pensarem e para estarem nos ateliês muito isolados. Quero acreditar que, quando voltarmos a um certo normal, vamos ter obras muito boas. Que podem refletir a situação, as inseguranças e as crises, mas acho que vamos ter um momento de viragem”.

Luísa Cunha é a vencedora do Grande Prémio de Arte Fundação EDP 2021

Oasis ao entardecer - exposicao

A artista Luisa Cunha é a vencedora da edição de 2021 do Grande Prémio Fundação EDP Arte.

Além do prémio monetário, a artista será homenageada através de uma exposição de caráter retrospetivo e/ou antológico, e da publicação de um catálogo que constitui uma importante referência historiográfica e bibliográfica.

Saiba mais sobre a artista, aqui.

 

Para Miguel Coutinho o trabalho da Fundação EDP no apoio às artes ganha uma importância ainda maior num cenário de pandemia.

>> Leia a entrevista de Miguel Coutinho, Administrador e Diretor-geral da Fundação EDP.

 

Oasis ao entardecer - exposicao

Um dos pilares da ação da Fundação EDP é indubitavelmente a arte. O que levou a que a arte ganhasse este carácter de importância para a Fundação?
A EDP, antes de constituir a Fundação, tinha decidido iniciar uma coleção de arte, lançar dois prémios e fazer exposições na Central Tejo. Este caminho levou mais tarde à constituição da Fundação EDP. Desde que começámos, embora se tenha definido a coleção como de arte contemporânea portuguesa, o trabalho do museu foi sempre mais amplo, convidando artistas e curadores estrangeiros, tendência que se foi acentuando progressivamente. Este foi um percurso que se desenvolveu naturalmente e que foi revelando as suas próprias exigências de maior ambição, culminando na decisão de construir o MAAT.

A Fundação EDP tem uma relevante coleção de arte contemporânea. A identificação e aquisição de peças é um trabalho sem fim? 
Fazer uma coleção de arte é, sobretudo, um trabalho desafiante e necessariamente criterioso face à quantidade e qualidade dos artistas portugueses nas últimas décadas. As escolhas têm sempre algo de subjetivo mas a Fundação EDP tem procurado os nomes mais significativos e consagrados da arte contemporânea portuguesa, ao mesmo tempo que olha para aqueles que lhe parecem ser os jovens artistas mais promissores.

Qual a importância dos prémios EDP para o retrato das artes em Portugal nos últimos 20 anos?
Julgo que a relevância e a longevidade de um prémio se devem ao acerto das suas escolhas. A partir da lista de vencedores do Grande Prémio Fundação EDP Arte e do Prémio Novos Artistas poderíamos reconstituir boa parte da história da arte contemporânea portuguesas. Claro que, mais uma vez, poderíamos ter feito outras escolhas, sobretudo no Grande Prémio. Existem muitos, muitos artistas que merecem este prémio. Mas, no caso do Prémio Novos Artistas, temos orgulho de ter escolhido e/ou descoberto nomes como os de Joana Vasconcelos, Leonor Antunes, Paiva & Gusmão, Vasco Araújo, Carlos Bunga, Gabriel Abrantes ou André Romão, entre outros.

Na última edição do prémio Novos Artistas, em que Diana Policarpo ganhou, houve uma abrangência temática desde a exploração da cor e de materiais à denúncia de impactos ambientais no Nepal. Para a Fundação EDP, ser mecenas de artes é também ser capaz de não definir nem limites nem agendas aos artistas que apoia?
Apenas existe uma resposta para essa questão: a liberdade de criação é um direito constitucionalmente garantido que a Lei do Mecenato confirma.

Ao longo destes 20 anos, houve anti-corpos em torno da Fundação EDP enquanto mecenas? Isto porque a arte é, por definição, anti-sistema, e a EDP, não sendo do sistema, é institucional.
Creio que a Fundação EDP desempenha, por mérito próprio, um lugar muito relevante na área da Cultura e das Artes. Não nos sentimos um corpo estranho por sermos uma fundação corporativa. Seria, aliás, desejável para o mundo da Cultura que existissem não uma, mas dez Fundações EDP. E esse lugar que ocupamos deve-se a um trabalho consistente e incansável no apoio à arte e aos artistas portugueses, mostrando os seus trabalhos primeiro no Museu da Electricidade e depois no MAAT, premiando artistas, promovendo a sua participação em feiras internacionais, como a Bienal de Veneza, contribuindo para trazer para Lisboa uma feira como a Arco, ou publicando uma revista de pensamento como a Electra que, a cada número, procura o diálogo da Arte com muitas outras disciplinas.

Prémios como os prémios da Fundação EDP ganham particular importância num cenário como o que vivemos, particularmente prejudicial para o setor das artes/ cultura? A responsabilidade da Fundação EDP, num cenário em que as artes estão a viver, de crescente dificuldade, torna-se maior?
A Fundação EDP manteve, desde a sua fundação, uma presença ativa, e consequentemente uma responsabilidade, nas áreas do Investimento Social e da Cultura. A sua atuação é reveladora do posicionamento da EDP, olhando sempre para aquelas que são as maiores fragilidades da nossa Sociedade mas também para o que nos pode transformar numa comunidade mais informada e com maior consciência cívica e crítica. A pandemia só veio, infelizmente, acentuar a necessidade e a importância do nosso trabalho. 

Disse, em tempos, que “um dos traços distintivos da Fundação EDP foi ser sempre um mecenas cultural”. Este traço distintivo é inquestionável? Ou os tempos difíceis que atravessamos podem pô-lo em causa?
Estes não são os primeiros tempos difíceis que atravessamos e a Fundação EDP esteve sempre aqui, graças à EDP e aos seus acionistas, intervindo em áreas que consideramos essenciais como o Investimento Social e a Cultura.

Qual o papel do MAAT nesta relação?
O MAAT continuará a afirmar-se como um museu com uma programação de qualidade que concilie exposições mais especializadas, na linha da atual programação curatorial, com outras que façam apelo a um público mais vasto e menos conhecedor do contexto artístico contemporâneo. E continuará a ter como uma das suas prioridades uma particular atenção à relação com a comunidade artística nacional (artistas, curadores, outros museus e instituições, galeristas, críticos, etc.).