Descobrir raízes e reinventar a nossa identidade com base em tradições intemporais

"Aquilo que o meu cérebro idealiza e o meu coração deseja, as mãos têm de fazer": as palavras são de Rui Santos, latoeiro algarvio, que as usou para descrever o seu trabalho no projeto "A Arte do Latoeiro".

A freguesia de São João de Messines acolhe esta oficina especial onde se preserva a arte da latoaria, integrando os objetos feitos à mão (em folha-de-flandres ou lata) nas rotinas dos dias de hoje. O desafio é associar o design a esta forma de arte e rejuvenescer a profissão.

Numa era em que as ligações pessoais são cada vez mais intermediadas por meios tecnológicos, projetos como este resgatam a identidade coletiva da comunidade e fazem regressar um tempo em que as tradições tinham um papel fundamental na construção de identidades, individuais e coletivas.

Além de costumes ou legados nacionais, como o Fado, Portugal tem tradições locais e regionais que atestam a riqueza da nossa identidade coletiva e que, infelizmente, com o passar do tempo, estão a desaparecer. Muitos desconhecem, por exemplo, que ainda se praticam tradições pagãs em Portugal dedicadas ao culto do Sol (Festa dos Caretos, em Bragança), ou em celebração do início da Primavera (Desfile das Maias, em Portalegre).

Para manter vivas estas e outras tradições, e fortalecer a nossa identidade coletiva, é preciso atualizá-las, trazê-las para o contexto dos dias de hoje e torná-las relevantes para as gerações mais jovens. É aí que entra o Programa Tradições, criado pela EDP.

Valorizar tradições e comunidades

O Programa Tradições é uma iniciativa de financiamento e acompanhamento de projetos que tenham como objetivo valorizar tradições regionais ou locais do nosso País, mais concretamente nos municípios onde a EDP possui centros produtores.

Abrange atualmente 94 municípios, que correspondem às áreas em que intervêm os seis centros de produção elétrica da EDP Produção (centrais hídricas e termoelétricas): Tejo, Mondego, Douro, Cávado, Lima, Ribatejo, Lares e Sines.

Qualquer entidade nacional legalmente constituída e registada, que apresente projetos sem fins lucrativos, pode candidatar-se a este apoio, seja qual for a sua origem, desde que se proponha a desenvolver o projeto num município abrangido pelo programa. Isto porque um dos objetivos é, através da valorização da identidade local, estreitar relações com a comunidade.

O que se pretende é facilitar a passagem de conhecimento sobre as tradições de geração em geração, ao mesmo tempo que se contribui para a valorização da autoestima das populações, como explica a responsável pelo Programa, Ana Pina.

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Este programa tem uma componente muito humana e próxima das pessoas, não é algo que façamos à distância. A ideia aqui é criar uma relação entre a empresa e as comunidades: não é simplesmente financiar, nós acompanhamos, monitorizamos e criamos sinergias, de forma a promover a autonomia dos projetos, para que eles se tornem sustentáveis a longo prazo.

Ana Pina, gestora do Programa Tradições

Potenciar as profissões do futuro

Curiosamente, a tecnologia, que nos tem afastado da tradição, da manufatura e da vivência mais próxima em comunidade, pode vir a ser a mesma que é responsável por um autêntico “regresso às origens”, no futuro.

A crescente industrialização e automação têm contribuído para a substituição do homem pela máquina e até para a extinção de algumas profissões. Assistimos, por isso, à necessidade de se encontrarem novas ocupações nas quais o Homem (ainda) seja inigualável. O trabalho artístico é um dos caminhos, como nos mostra o projeto A Arte do Latoeiro, apoiado pelo Programa Tradições.

Este projeto nasceu no Algarve, na freguesia de São João de Messines, e tem como objetivo preservar a arte da latoaria, ou seja, aplicar “técnicas ancestrais a soluções atuais”. Se antigamente se faziam baldes, caldeirões, regadores ou bilhas para azeite (em folha-de-flandres ou lata), hoje pretende-se associar o design contemporâneo a esta forma de arte e rejuvenescer a profissão.

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Hoje em dia, as peças não despertam o valor real que elas têm: a nossa história, a nossa cultura. Eu gosto muito dos computadores e da possibilidade que a informática me dá, mas eu tenho de ver, tenho de mexer, tenho de realizar com as minhas mãos. Aquilo que o meu cérebro idealiza e o meu coração deseja, as mãos têm de fazer.

Rui Santos, latoeiro

Uma aposta no turismo

Potenciá-las pelo turismo é, também, uma forma de manter as tradições vivas. Exemplo disso é o projeto Pintar e Cantar dos Reis, uma tradição de Alenquer, apoiada pelo Programa Tradições, que consiste em juntar as populações de várias freguesias do concelho, na noite de 5 para 6 de janeiro, e fazer um percurso a pé, durante o qual os chamados “reiseiros” cantam e vão pintando símbolos tradicionais (corações, vasos, estrelas) nas fachadas dos edifícios.

No início do ano, foi inaugurado o Centro de Interpretação do Pintar e Cantar dos Reis, que apresenta esta tradição ao público, através de vídeos, informação escrita e pequenos produtos para venda, criados em parceria com universidades. 

Encontro de gerações

Uma das componentes do Programa é garantir a passagem de conhecimento para as gerações mais novas, evitando que as tradições se percam com o desaparecimento de quem as pratica.

O ID: Memória Itinerante é exemplo de um projeto originário de fora das áreas de atuação da EDP Produção, mas que pôde receber apoio do Programa Tradições por se desenvolver nos municípios da sua abrangência. Numa parceria entre as associações Mãozorra (Lisboa) e a Red Cloud (Aveiro), o projeto levou a tradição do teatro e oficinas de fantoches a lares e escolas, criando uma ligação entre as gerações.

O Teatro Dom Roberto surgiu da tradição italiana Commedia dell’Arte, conforme explica João Costa, da Mãozorra Associação Cultural. Os italianos foram viajando pela Europa e gerando variantes do seu espetáculo pelos países que visitaram, desde o século XIII. Em Portugal, aconteceu a mesma coisa: foi-se criando uma tradição com base no Polichinelo (também conhecido como “Roberto”) mas com características do nosso país.
 

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O Teatro Dom Roberto perdeu-se nos tempos e seria muito bom que ele regressasse. Este trabalho de recolha de memórias é muito importante e tem de ser feito rapidamente, pois as pessoas que ainda as têm estão a desaparecer.

João Costa, Mãozorra Associação Cultural

Um dos objetivos do ID: Memória Itinerante é precisamente a recolha de histórias antigas, por parte da população idosa, que possam ser trazidas de volta às mãos dos “bonequeiros”.

A participação no Projeto Tradições prendeu-se com uma vontade de chamar mais pessoas à aprendizagem deste tipo de arte e permitir dar continuidade a esta tradição Portuguesa com mais de 200 anos.

Por outro lado, o Programa permitiu dar a conhecer o Teatro Dom Roberto a municípios que nem sabiam da sua existência, alargando a oferta cultural em zonas mais isoladas.

Como funciona o Programa Tradições? 

Candidaturas a decorrer até 31 de Agosto

O Programa Tradições é uma forma de dar nova vida a tradições que estão em risco de se extinguir, ao mesmo tempo que dinamiza comunidades e contribui para a aprendizagem entre gerações.

A fase de candidaturas da edição 2020-2021 decorre até 31 de Agosto, momento até ao qual os interessados devem aceder à página do Programa Tradições e preencher a ficha de inscrição, com todos os detalhes do projeto que gostariam de desenvolver: qual a tradição envolvida, as atividades que pretendem realizar, o financiamento de que necessitam, quais os objetivos do seu projeto e quais as formas de aferir o cumprimento desses mesmos objetivos.

Quanto mais completa for uma candidatura, maior será a sua probabilidade de passar as várias fases de avaliação, desde a verificação dos critérios de elegibilidade à avaliação qualitativa. Esta, a cargo de uma entidade externa, consiste na análise e pontuação de vários critérios de forma a chegar a uma short list dos projetos mais promissores.

Depois, um júri composto por pessoas da EDP e por personalidades relevantes para o tema, selecionam os projetos finalistas, até preencher o valor da verba disponível — 150 mil euros para o 1º ano.

Os finalistas são então visitados, presencialmente, pela EDP, para que os responsáveis pelo Programa conheçam a envolvente local, os detalhes do projeto e possam até negociar as condições do mesmo. No seguimento dessa visita, os finalistas que forem avaliados positivamente serão os vencedores.

Todo este processo seletivo deverá estar concluído até ao fim do ano, sendo que os projetos deverão arrancar em janeiro de 2021. O período de execução de cada projeto deverá ter entre 6 a 12 meses, sendo que no final desse período, se bem avaliados, poderão candidatar-se a uma extensão de financiamento, com novos objetivos estabelecidos, por mais 6 meses em 2022. Para este 2º ano o Programa disponibilizará uma verba de 100 mil euros. 

Este Programa é, por tudo isto, também um convite: a todos os que queiram dar o seu contributo para preservar as memórias da sua Terra e ajudar a valorizar a nossa identidade coletiva como povo, porque, afinal, todo o futuro precisa de origens.

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