Quando a luz não pode mesmo faltar

A eletricidade é um bem de primeira necessidade e quando “falta a luz” gera-se um pequeno pânico lá em casa, ou porque o filme ficou a meio ou os gelados estão a derreter no congelador. Estes são os transtornos causados à generalidade das pessoas quando há uma falha de eletricidade, mas existem outros, mais graves, que podem pôr em risco a segurança da população ou até a sobrevivência de determinadas pessoas. Imagine-se o caso de uma sede de Bombeiros ficar impossibilitada de comunicar com as populações durante uma tempestade, ou alguém cuja sobrevivência dependa de uma máquina ficar sem fornecimento elétrico.

Por esse motivo, em Portugal, foi criado o estatuto de Cliente Prioritário e o de Cliente com Necessidades Especiais — para garantir que alguns clientes têm um tratamento diferenciado, adequado à sua situação particular e, lá está, com prioridade em relação aos restantes.

Este estatuto está consagrado no Regulamento da Qualidade de Serviço da ERSE, a entidade que regula os setores do gás natural, da eletricidade e do gás de petróleo liquefeito (GPL), que tem como missão proteger os interesses dos consumidores destes bens e serviços.

Sou um Cliente Prioritário?

Há dois grupos de clientes que podem usufruir deste tratamento diferenciado: os Clientes Prioritários e os Clientes com Necessidades Especiais.

Os Prioritários são na maioria entidades que, pela natureza da sua atividade, merecem uma “atenção” especial: os que prestam serviços de segurança ou saúde à comunidade e para os quais a interrupção do fornecimento de energia pode causar graves problemas. 

Mas também existem clientes prioritários domésticos: pessoas que dependam do fornecimento elétrico para mover-se, ou até para sobreviver. Segundo o regulamento da ERSE, são estes os chamados Clientes Prioritários:

  • Hospitais, centros de saúde ou entidades que prestem serviços semelhantes
  • Forças de segurança
  • Instalações de segurança nacional
  • Bombeiros
  • Proteção civil
  • Equipamentos dedicados à segurança e gestão do tráfego marítimo ou aéreo
  • Instalações penitenciárias
  • Clientes domésticos (e pessoas que com eles coabitem) cuja sobrevivência ou mobilidade dependam do fornecimento elétrico

Relativamente ao gás natural, são considerados Prioritários os estabelecimentos de ensino básico e as instalações destinadas ao abastecimento (de gás natural) de transportes públicos coletivos.

Ou um Cliente com Necessidades Especiais?

A par dos Clientes Prioritários, existem os Clientes com Necessidades Especiais. Este grupo refere-se a pessoas que tenham algum tipo de limitação física, nomeadamente no domínio da visão, audição, comunicação oral ou até do olfato — algo que no caso do gás pode ser crítico e justifica a instalação de equipamentos especiais para deteção de fugas.

A limitação da pessoa pode ser permanente ou temporária, daí que este estatuto seja revisto anualmente. Mas a mensagem a reter é que não são apenas os clientes cuja vida depende do fornecimento elétrico que podem beneficiar de atendimento especial. Há casos de, digamos assim, menor gravidade que também o podem fazer. 

Vale a pena, por isso, conhecer as vantagens deste serviço e avaliar se há alguém na família que poderia beneficiar dele.

Os primeiros da fila

Qual é, então, a diferença de tratamento entre os clientes regulares e os prioritários? Em primeiro lugar, as Comercializadoras de energia, como a EDP Comercial, Iberdrola, Endesa, entre tantas outras, quando lidam com Clientes com Necessidades Especiais, são obrigados a garantir que estas pessoas têm acesso exatamente à mesma informação e aos mesmos níveis de qualidade de serviço que as restantes. Isto pode implicar, por exemplo, fornecer documentação em Braille a clientes com limitações visuais, ou pôr em prática outras medidas que garantam que nenhum cliente é negligenciado devido a uma limitação física.

Já no que toca a Clientes Prioritários — pessoas ou entidades que não podem mesmo ficar sem energia — os Operadores de Rede (responsáveis pela manutenção da rede elétrica, como é o caso da EDP Distribuição) têm outros dois deveres.

Por um lado, têm o dever de informar, como explica Armando Palavras, Comercial de Redes da EDP Distribuição. «Quando há interrupções programadas pelo Operador de Rede, para executar um conjunto de operações de manutenção da sua infraestrutura, há a necessidade de fazer um aviso prévio aos clientes, informando-os de que no dia x se vai efetuar uma interrupção num determinado período. É um direito deste conjunto de clientes, e uma obrigação do Operador de Rede: de os informar previamente e individualmente.» 

Por outro lado, em caso de interrupção de fornecimento, os Operadores de Rede devem dar prioridade à reposição da energia ou gás aos clientes prioritários. É portanto introduzida uma variável no conjunto de procedimentos que visam repor a energia após um problema na rede: existem, ou não, clientes prioritários afetados? E, caso existam, a sequência de reposição do fornecimento de energia tem-nos em consideração, procurando repor prioritariamente a infraestrutura elétrica que os abastece.

Redes mais inteligentes

A evolução tecnológica da rede elétrica tem contribuído para a resolução mais célere de avarias e para uma melhor comunicação com os clientes. Hoje em dia todos os incidentes na rede estão georreferenciados e a infraestrutura elétrica está perfeitamente identificada. Portanto, quando o Distribuidor interrompe a passagem de energia numa determinada infraestrutura, para realizar operações de manutenção ele sabe, através da sua Central de Despacho, a quantos clientes interrompeu o fornecimento e, desses clientes, quantos são prioritários.

O projeto InovGrid foi fundamental para esta evolução em Portugal, conforme explica Armando Palavras. «No segmento doméstico, estamos a substituir contadores de uma geração que já está ultrapassada por contadores tecnologicamente mais avançados.» Isto vai permitir, por exemplo, perceber se existe uma anomalia na alimentação de energia elétrica a uma habitação, mesmo que o cliente não esteja em casa.

Este projeto veio introduzir inteligência na gestão da rede elétrica, que se vai refletir em várias vantagens para todos os intervenientes: a melhor gestão da energia produzida e consumida, uma maior sustentabilidade ambiental e vários níveis de automatismos que permitem a resolução remota de muitas operações que, de outra forma, necessitariam da presença física do cliente. 

Esta rede inteligente de sensores permite ainda «ter informação online relativamente à situação técnica da instalação: se está com energia ou se aconteceu qualquer anomalia, trazendo um conjunto de vantagens acrescidas», reitera Armando Palavras, "daí ser um projeto que nós estamos a abraçar."

Equipas sempre disponíveis

A EDP Distribuição tem um serviço de reposição disponível todos os dias da semana, incluindo fins-de-semana e feriados, e as equipas que repõem o serviço são as mesmas — trate-se de clientes prioritários ou não, os piquetes fazem o seu trabalho pela ordem determinada pela Central de Despacho.

Os incidentes são, em primeiro lugar, segmentados por tipo de tensão porque quanto maior é a tensão, mais clientes são afetados por uma avaria e quanto mais baixa é a tensão, menos clientes. Conforme explica Pedro Paulo, EDP Distribuição, "cá fora, junto dos Postos de Transformação de média tensão, afetamos uma cidade, um bairro, ou uma zona grande com 30 mil clientes. À medida que vamos avançando, na rede de baixa tensão, já afetamos só mil clientes, até que entramos dentro de um prédio, por exemplo, onde afetamos apenas 20 clientes... e até chegarmos à porta de casa de alguém, em que afetamos apenas um cliente, que não tem energia e chama o Piquete."

Todo este ciclo é da responsabilidade do Distribuidor e abarca todos os clientes, independentemente do Comercializador e localização. Conforme conta Pedro Paulo, "nós nem sabemos quem é o comercializador de cada cliente! Por isso é que costumo dizer, na brincadeira, que todos os clientes são nossos."

Este desconhecimento em relação à origem do cliente garante que, em caso de avaria, todos são atendidos de igual forma pela EDP Distribuição, mesmo no caso dos Clientes Prioritários — a diferença está só na prioridade que é dada ao serviço, seja a intervenção na Média ou na Baixa tensão.

"Lembro-me de uma situação, aqui em Lisboa, em que fomos chamados à noite, já depois de jantar, para ir a casa de uma pessoa que era num 3º andar sem elevador" — as palavras são de Carlos Barbosa, funcionário de um piquete da EDP Distribuição. «Quando chegámos lá, eu e os colegas, batemos à porta e estava tudo às escuras, como é normal, mas a senhora andava pela casa, com tudo às escuras, como se fosse de dia. Nós, com as lanternas, pensámos "bem, a senhora está mesmo habituada à casa"… e quando terminámos, a senhora disse "ah eu preciso mais de energia para ver televisão aqui no meu sofá”, mas vimos que o sofá estava ao lado da televisão e achámos muito estranho. Só quando ligámos a energia é que reparámos que a senhora era cega... por isso, é que tinha o sofá ali ao lado da televisão. Foi uma situação engraçada porque nós não estavamos mesmo à espera.»  Os Piquetes têm algumas histórias, que pode conhecer aqui, e que se devem precisamente a este desconhecimento da identidade do cliente final.

A importância deste estatuto

Em números redondos, Portugal regista 3500 Clientes Prioritários, dos quais cerca de 2000 são Clientes com Necessidades Especiais. Contudo, o número de pessoas que poderiam estar a usufruir deste serviço e não estão é ainda uma incógnita.

"Caso o cliente não se manifeste junto do seu Comercializador, para nós, aquela é uma instalação perfeitamente normal. Não sabemos se o número destas pessoas é mais elevado porque essa informação nunca foi cruzada com o Ministério da Saúde ou da Segurança Social", admite Armando Palavras.

Está na mão de cada cliente identificar-se, junto do seu Comercializador de energia, como sendo elegível para aproveitar este serviço especial. O Comercializador transmite, então, ao Operador de Rede, a lista de Clientes Prioritários, para que os trabalhos na rede elétrica sejam sempre organizados tendo em conta as devidas prioridades.

Armando Palavras relembra ainda que "é obrigação dos agentes que prestam serviços básicos desenvolverem soluções especiais que se adaptem a este conjunto de clientes. E é também um compromisso de âmbito social. A empresa deve preocupar-se em incorporar este tipo de soluções nos seus procedimentos, tornando-se portanto parte da solução, de modo a garantir que estas pessoas possam ter uma vida o mais normal possível."