Transcrição do episódio 7: biodiversidade

 

Podcast É Agora ou Nunca

Episódio 7: Biodiversidade

Informações:

Duração do áudio: 00:48:32

Convidados: Pedro Beja e Vítor Batista

Entrevistadora: Catarina Barreiros

Somos todos agentes de mudança. E juntos podemos transformar o mundo. É agora ou nunca! Um podcast EDP que discute o presente e procura soluções para um futuro mais sustentável.

Catarina Barreiros: Bem-vindos a mais um episódio do podcast “É Agora ou Nunca”, um podcast EDP sobre a sustentabilidade. Hoje vamos falar sobre biodiversidade, vamos falar sobre quais são os tipos de biodiversidade que existem, quais as principais ameaças à biodiversidade e o que é que este tema implica no nosso futuro. Como sempre, temos connosco dois especialistas para falar do tema. Hoje temos Pedro Beja, biólogo de formação pela Universidade de Lisboa, trabalha como investigador na área da biodiversidade há cerca de três décadas e, atualmente, além de investigador principal, é Diretor da CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos e detentor da cátedra EDP em biodiversidade. Temos também Vítor Batista, formado em Biologia pela Universidade do Porto, foi durante década e meia professor de Biologia e, entre 2004 e 2007, foi Diretor do Parque Natural do Douro Internacional. Em 2009, juntou-se à EDP, onde trabalha como especialista na área de biodiversidade da Direção de Sustentabilidade. Bem-vindos aos dois e obrigada. E se calhar vamos começar aqui por perceber como é que este tema tão importante da biodiversidade se enquadra nos ODS e como é que faz parte de um plano de sustentabilidade maior.

Pedro Beja: Bom, isso é uma pergunta que daria…

Catarina Barreiros: Para um episódio todo.

Pedro Beja: …para o episódio todo. Mas a questão é que a biodiversidade é uma das componentes do funcionamento do planeta, portanto o planeta funciona e nós vivemos neste planeta porque existe a biodiversidade que o faz funcionar de certa forma. Nós somos uma espécie como as outras, mas não vivemos isolados de tudo o que nos rodeia. E tudo o que nos rodeia, digamos, produz tudo aquilo que nós utilizamos, desde o oxigénio que respiramos até aos alimentos que consumimos, até às matérias-primas vegetais, à lenha, à floresta, madeiras. Portanto tudo, de uma forma ou de outra, tem a ver com a biodiversidade, os ecossistemas, depois poderei explicar um pouco melhor ao falarmos um pouco melhor o que é a biodiversidade e como é que ela… as suas várias componentes. Mas aqui a questão é para o desenvolvimento sustentável, para o bem-estar das pessoas é importante também que a biodiversidade esteja a funcionar bem, portanto que as suas várias componentes estejam a funcionar bem para produzir água limpa, para produzir ar limpo, para produzir bens culturais, etc. Ficava por aqui, mas se calhar…

Catarina Barreiros: Isto é interessante porque é um tema altamente complexo. Portanto estamos a falar de sinergias entre todo o ecossistema para permitir que tudo funcione.

Vítor Batista: Exatamente.

Catarina Barreiros: Se calhar ia então perguntar quais é que são as componentes de que estava a falar, da qual fazem parte a biodiversidade, que tipos de biodiversidade encontramos.

Vítor Batista: A biodiversidade é complexa, não é? E nós falamos em biodiversidade no contexto genético, no contexto de espécies, na riqueza de espécies, mas aqui eu acho que o foco poderá ser a riqueza da diversidade de ecossistemas porque é no ecossistema que o homem, como parte integrante que é do ecossistema também tem o seu sustento, ou seja, a sua própria existência, o seu bem-estar está lá, e toda a economia está lá. Ou seja, na perspetiva de uma empresa, que geram o bem-estar e geram todas as comodidades que nós temos para o nosso bem-estar e que fazem os nossos estilos de vida de hoje, está tudo assente no ecossistema. Portanto, as empresas têm as suas dependências no ecossistema. Portanto, por isso, para as empresas, para a economia em geral, é muito importante também perceber quais são as dependências para também atuar e conhecer também os seus impactos para assim também ter uma postura mais sustentável e dar continuidade a este planeta, que é o sustento da humanidade.

Catarina Barreiros: E se estamos a falar sobre empresas e sobre o sustento, também temos de falar sobre ameaças – não é? – à biodiversidade, porque nós precisamos da biodiversidade e se ela está ameaçada, nós a título individual, empresarial, governamental, enquanto espécie humana, temos também a nossa sobrevivência aqui um bocadinho em causa. Quais é que são, neste momento, as principais ameaças que existem à biodiversidade? Outro tema [sobreposição de vozes].

Pedro Beja: Não. É outro complexo. Não, mas é um tema muito interessante que eu acho que começaria com um número que é: neste momento, somos cerca de 7.600 mil milhões de pessoas no planeta. Biliões de pessoas, peço desculpa.

Catarina Barreiros: Certo.

Pedro Beja: Estamos a aproximarmo-nos muito dos oito biliões. Prevê-se que por volta de 2050 sejamos 9,5 e talvez em 2100, porque a tendência está a diminuir, seremos 11 mil milhões de pessoas. Todas essas pessoas consomem recursos, umas consomem mais, outras consomem menos, portanto nos países ocidentais, [00:05:00] ditos ricos, as pessoas consomem muitos recursos, nos países ditos mais pobres, as pessoas consomem menos recursos, mas estão a aumentar rapidamente o seu consumo de recursos per capita. Portanto, digamos que as causas últimas de perca da biodiversidade têm a ver com estas duas questões: por um lado, o aumento muito grande da população e, por outro, o aumento do consumo per capita. Portanto, não somos só mais, mas cada um de nós consome mais recursos. E, portanto como consome mais recursos, precisa de comer, precisa de se vestir, precisa de se calçar, precisa de todos os bens que nós consideramos essenciais, precisa da luz, precisa destes espaços, não é? E, portanto, há digamos uma competição de espaço entre as nossas necessidades e as necessidades da biodiversidade. Por isso, digamos, as áreas agrícolas aumentam cada vez mais, e com o aumento das áreas agrícolas, o aumento das áreas urbanas, e depois, como também somos muitos, produzimos muitos resíduos, produzimos muitos poluentes, portanto anda tudo muito à volta da população humana e da forma como ela interage com o mundo natural, principalmente porque é muitíssimo grande. Portanto, como é muitíssimo grande, tudo o que ela faz, mesmo que uma pessoa faça só um bocadinho, 11 mil milhões ou 8 mil milhões de pessoas, quase como somos, tem esse grande impacto. Depois há obviamente detalhes que têm a ver com a conversão, com a desflorestação, a poluição dos rios, a poluição do mar, a desertificação, as mudanças climáticas, portanto tudo isso são fatores mais próximos, mas que derivam desta grande crescente da população humana, de crescimento exponenciado.

Catarina Barreiros: E seria possível – assim em jeito de provocação – sermos 11 mil milhões e não termos um impacto negativo na biodiversidade?

Pedro Beja: Eu acho que sermos 11 mil milhões teremos sempre um impacto gigante na biodiversidade. Podemos tentar… digamos, o desafio destas próximas décadas é tentar encontrar soluções criativas, no sentido de sermos muitos, vivermos razoavelmente, porque, digamos, nós não podemos pedir aos países africanos para viverem mal, porque…

Catarina Barreiros: Sem energia para nós podermos ter um jato privado, não é?

Pedro Beja: …sem energia, porque nós temos um jato privado, não é? Há uma grande assimetria, e, portanto, a grande dificuldade e o grande desafio é: como é que nós encontramos soluções para as pessoas, apesar de tudo, viverem bem? Há uma tendência, digamos, para a população estar a diminuir o crescimento, o crescimento está a ser um pouco mais lento, mas, por exemplo, não em África, que se prevê que a população duplique nas próximas décadas e, portanto, tem que se encontrar soluções para produzir melhor energia, com menos impacto. E, portanto, é isto. Mas com uma população tão grande vamos ter sempre muitos impactos, não há outra solução, mas claramente têm que se encontrar soluções e há muitas soluções que vão tentando ser encontradas, no sentido de diminuir esse impacto.

Vítor Batista: Reforçando aqui… pegando nisto que o Pedro acabou de dizer e que eu acho que é o cerne da questão, a superpopulação. Mas eu… portanto a superpopulação que somos é o problema, mas mais do que isso é o estilo de vida que essa superpopulação está a ter e está a assumir para o seu bem-estar. E a forma diferenciada, porque há países que estão com muito impacto e há outros países que não têm um impacto tão grande. E o grande desafio da sustentabilidade é isso, é permitir que os países que estão em crescimento, porque eles precisam de ter dignidade humana, que o índice de dignidade humana se eleve, mas com baixos padrões de impacte. E aqueles países que têm um padrão de impacte elevadíssimo precisam descer, também não perdendo para níveis de dignidade humana. Portanto, e é esta compatibilização entre dignidade humana e impacte que o planeta enfrenta e a humanidade enfrenta, para sermos capazes de habitar num planeta, porque neste padrão precisamos de planeta e meio, em média, não é?

Pedro Beja: Ou mais.

Vítor Batista: Ou 1,7, neste momento, mas há países que impactam excessivamente mais muitos planetas que precisam, enquanto outros que…

Catarina Barreiros: Certo. No fundo estamos a falar entre um equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade, não é?

Pedro Beja: Sim. E o que é que é a sustentabilidade, não é? A questão é…

Catarina Barreiros: Biodiversidade, desculpem. Enganei-me.

Pedro Beja: No caso da biodiversidade é interessante ver que, curiosamente, a biodiversidade na Europa neste momento não está a declinar tanto como noutros países. Aliás, na Europa há um movimento [00:10:00] que na língua inglesa se chama rewilding, porque há uma série de áreas que estão a renaturalizar, há grandes predadores que estão a voltar a aparecer, que teriam desaparecido há muitas décadas. Obviamente que existem muitos impactos na Europa, mas também existe uma tendência para alguma renaturalização, para um mundo mais natural digamos. Mas o que acontece é que isso está a acontecer, principalmente porque estamos a intensificar a produção agrícola, não é? Portanto conseguimos produzir mais em menos área e, portanto, as áreas marginais para a agricultura podemos abandoná-las, estão a ser devolvidas à natureza, num certo sentido, e por outro lado, estamos a exportar os impactos, ou seja, o que acontece é que grande parte dos impactos que nós não temos, estamos a desviá-los para o Brasil ou estamos a desviá-los para o Sudeste Asiático ou estamos a desviá-los para a Ásia, para diferentes países da Ásia. Portanto, esta sustentabilidade tem que ser vista à escala global, porque a Europa pode tornar-se sustentável, num certo sentido, simplesmente exportando os impactos para outros lados, não é?

Catarina Barreiros: Hum-Hum. Externalidades como lhe chamam.

Pedro Beja: Nem… não é externalidades. É uma certa externalidade, porque não é poluição. Mas, digamos, é uma exportação dos impactos porque temos tudo aquilo que causa verdadeiros impactos, por exemplo a produção da carne no Brasil, etc., é movida para outros sítios. E, portanto, esta sustentabilidade tem que ser pensada a uma escala global e, por exemplo, nós neste momento temos o Green Deal europeu – não é? – com metas muito ambiciosas e é muito bom que haja um continente inteiro que assuma uma postura tão forte em relação ao ambiente e que tem componentes de climate change (mudanças climáticas), mas também tem competentes de biodiversidade. Por exemplo, a estratégia europeia da biodiversidade para 2030 ou a estratégia To Farm to Fork, da melhoria da produção agrícola que tem de ser feita de forma… que é muito boa porque é uma tentativa de criar produtos agrícolas, etc., com menos impacto, mas que tem de ser vista porque muitas vezes os nossos impactos não estão aqui, os nossos impactos estão noutro sítio. Portanto, é isto que nós temos de equilibrar, conseguindo sustentabilidade aqui mas…

Catarina Barreiros: Não comprometendo.

Pedro Beja: …não comprometendo os outros países, porque é lá que está… por exemplo nestes países tropicais, onde está a maior biodiversidade e onde estão os maiores impactos, neste momento, com as grandes áreas de desflorestação, etc.

Catarina Barreiros: E onde há menos fiscalização, muitas vezes e menos ação política.

Pedro Beja: E onde há menos fiscalização e onde há, fundamentalmente, um crescimento demográfico gigante. Ou seja, países em África que estão, por exemplo... nós no CIBIO temos muito trabalho em vários países africanos nomeadamente em Angola. Em Angola a população cresceu desde o final da Guerra Civil até agora, cerca de 11 milhões de pessoas para 33 milhões de pessoas. Portanto, há uma pressão sobre os recursos naturais que é muito difícil de conter e sem conhecimentos técnicos, muitas vezes, para fazer face a esses conhecimentos naturais. Estávamos a falar antes de entrar aqui não questão das lenhas, não é? Provavelmente, a maior razão para o aumento da floresta na Europa, e em Portugal em particular, é a eletrificação da economia, porque as pessoas cozinhavam a lenha. E em grande parte do planeta continuam a cozinhar a lenha. Parte da desflorestação, nomeadamente em zonas do Sahel, ou outras zonas, tem muito a ver com simplesmente as pessoas terem que comer três vezes por dia, portanto queimam a lenha e, sob esse ponto de vista, tentativas de diminuir esses impactos é simplesmente dar às pessoas capacidades para não terem de destruir os seus próprios recursos naturais.

Catarina Barreiros: Claro.

Pedro Beja: É digamos este equilíbrio que se tem de fazer, por um lado tentarmos criar soluções sustentáveis e também conseguir que nestes países onde há crescimentos demográficos gigantescos, onde a pressão sobre os recursos naturais é gigantesca, haver também apoios no sentido de tentar encontrar soluções para diminuir essa pressão e para tentar que haja, digamos, mais inteligência no sentido… não é inteligência, eficiência na utilização dos recursos.

Catarina Barreiros: Hum-hum. É interessante porque, de facto, quando se fala em sustentabilidade pensa-se global, quando se fala em biodiversidade tem que se pensar global, porque os impactos que nós fazemos aqui resultam também de uma série de impactos que são gerados nos continentes à nossa volta. Nós somos um continente pequeno, relativamente pequeno, comparando com o resto, em termos de população então…

Vítor Batista: Exato.

Catarina Barreiros: Mas também estávamos a falar antes de entrarmos sobre a COP15, por exemplo, e sobre os esforços que têm vindo a ser feitos a nível internacional e a ação de países que se juntam e se comprometem, países com mais desenvolvimento que se comprometem a ajudar os países que ainda não estão no mesmo tipo de grau de… não diria desenvolvimento, mas dignidade humana, como lhe chamou há bocadinho. O que é que está a ser feito nesse sentido, a nível de ação internacional? O que é que podemos esperar da decisão política internacional?

Vítor Batista: Eu acho que a decisão política e nas grandes diretrizes políticas globais, esta relação da biodiversidade com as pessoas está presente, mas muitas vezes a tomada de decisão é sempre posta em cima da mesa por aquele lado da balança que pesa mais, não é? A economia e a comercialização dos produtos pesa muito mais na tomada de decisão política. Portanto, a biodiversidade enquanto ativo que está na base de toda esta economia nunca foi pensado como um ativo inesgotável e nunca foi olhado pela relação tão forte que as empresas têm com esse recurso. Portanto, sempre foi uma coisa muito segregada. Mas pegando naquilo que o Pedro disse, eu estou a terceirizar, estou a exportar impactes, tem a ver um bocado com estas políticas que se tomam e que depois a economia ajuda a incrementar e, por isso, é que neste momento acho que há uma grande viragem na pressão das empresas, porque as empresas podem elas não ter este impacto direto nos produtos e serviços que geram, mas os recursos que precisam para gerar aqueles produtos e serviços, olhando na cadeia de fornecimento, elas têm impactes a montante muito elevadíssimos. E, portanto, é esse percurso que tem de se fazer para ter um eco design nos produtos que hoje gere e os serviços que eu concebo e que forneço também. Portanto este passaporte do meu produto ou do meu serviço é cada vez mais importante. Eu acho que até a nível do caminho, do impacte que tem na desflorestação, como grande impactante na perda de biodiversidade e até como grande impactante na questão do CO2, é este caminho, as empresas terem de fazer este rastreamento dos seus produtos…

Catarina Barreiros: Hum-hum. De todo o seu produto.

Vítor Batista: …das suas matérias-primas até à fonte da extração dos recursos e depois ligar com outras coisas, que é a economia circular, cada vez eu gerar…

Catarina Barreiros: Menos desperdício, certo.

Vítor Batista: Não existam resíduos.

Catarina Barreiros: Existam recursos.

Vítor Batista: Existem recursos sempre. Portanto e é esta capacidade que eu acho que as decisões políticas são muito importantes para depois se aplicarem na prática, mas no fundo a economia, as empresas é que estão também como elo e é onde vão ser feitas grandes pressões também.

Catarina Barreiros: Portanto, as empresas como agentes de mudança – não é? – numa fase inicial.

Vítor Batista: Exatamente.

Catarina Barreiros: E acha que pode ter a ver também com o facto… as empresas têm um produto que precisa de matéria-prima, precisa… e começam a perceber que essa matéria-prima, essas fontes não são inesgotáveis – não é? – e que se não fizerem nada que daqui a 20 anos não há um ciclo de produção porque não há uma matéria-prima, não é? Portanto, acredita que as empresas possam ser aqui o agente talvez primário de mudança?

Pedro Beja: As empresas têm um papel muito importante na solução do problema, porque não é só… porque é preciso decisões políticas, é preciso quem decida, mas realmente as empresas estão preocupadas.

Catarina Barreiros: E é preciso agir.

Pedro Beja: É preciso agir. Mas a ação é muito pelo lado das empresas, a regulação terá sim um papel importante a nível das políticas, dos governos e das leis, mas as empresas realmente são os agentes modificadores, mas também são os agentes que podem mudar todo este processo, e as grandes empresas, muitas vezes que não estão diretamente relacionadas com o impacte, mas elas são importantes na cadeia de fornecimento, influenciarem pela cadeia de fornecimento.

Catarina Barreiros: Claro. E se pensarmos aqui em gestos… estamos a falar obviamente do papel das empresas, do papel dos governos, se falarmos no papel dos indivíduos, dos cidadãos, o que é podemos fazer todos, hoje, amanhã, daqui a um mês, que possa ajudar a melhorar estas perdas de biodiversidade, a mitigar ou ajudar aqui a recuperação da biodiversidade?

Pedro Beja: Bom, cada um de nós tem muito pouca influência porque, de facto, somos um em oito mil milhões, mas se formos os oito mil milhões ou os sete mil milhões e qualquer coisa a fazer, faz diferença. E a sua ação tem a ver não só com a sua própria ação individual, mas também com as empresas que escolhe ou com os governos que escolhe, [00:20:00]porque isso faz uma diferença muitíssimo grande. Porque, como nós falámos, tudo isto é um problema complexo em que as coisas estão muito ligadas umas às outras e, portanto, eu antes de falar nas pessoas, falaria de qual é… não é a solução, porque isto não tem solução num certo sentido. Isto há várias formas de melhorar.

Catarina Barreiros: É ongoing.

Pedro Beja: É ongoing. E, portanto, nós temos que conseguir produzir comida para 11 mil milhões de pessoas em quantidade e qualidade suficiente e em segurança até ao final deste século. E temos de fazer isto com menor impacto e o menor impacto tem, por um lado, a ver com a ocupação de espaço. Neste momento, nós conseguimos produzir mais comida…

Catarina Barreiros: Em menos espaço.

Pedro Beja: …com duas alternativas, ou aumentamos o espaço ou aumentamos a eficiência no espaço que temos.

Catarina Barreiros: Certo.

Pedro Beja: Portanto, por um lado, há esta… é necessário parar a expansão agrícola, porque é de longe o maior problema que nós temos, em termos de perca de biodiversidade, porque vemos a Amazónia com a produção de carne, o Serrado brasileiro com a produção de soja e produção de outras coisas, de cana-de-açúcar, o sudeste asiático e não só, com as questões do óleo de palma, portanto nós temos de conseguir ter um compromisso em que se para a desflorestação e se para a perca de habitats naturais, porque já são muito poucos e portanto devia haver, num prazo curto, uma paragem. E, portanto, sob esse ponto de vista, o compromisso, quer dos governos, quer das empresas, quer das pessoas, devia ser no sentido de forçar…

Catarina Barreiros: A paragem.

Pedro Beja: …que esse ponto pare, porque de facto já é muito pouco estas áreas mais ou menos virgens que é necessário preservar. E depois temos de conseguir que, no espaço que temos, aumentar a produção com menos impactos e o aumentar a produção pode ser feita como até agora, à custa de pesticidas, inseticidas, fertilizantes, etc., e temos de passar para uma produção menos…

Catarina Barreiros: Agressiva a longo prazo.

Pedro Beja: …agressiva, mas que não seja menos produtiva, porque, de facto, se não conseguirmos produzir a mesma coisa, é claro que depois também há os desperdícios, temos de diminuir os desperdícios, etc., mas se não conseguirmos produzir a mesma coisa, vamos precisar de mais espaço. E, portanto, a verdade é que nós não sabemos ainda muito bem fazer isso. Portanto, aí também do ponto de vista das empresas, por um lado, há as pessoas a escolherem coisas que têm menos impacto, e isso é importante porque cria mercado e cria incentivos para as empresas e para os governos fazerem isso, e depois também é preciso inovação, é preciso pensar como é que isso se faz, é preciso pensar como é que se mete os mecanismos mais naturais a nosso favor, os polinizadores, os controles naturais de pragas, a fertilidade mais natural do solo, com a agricultura regenerativa, etc., que é uma tentativa de conseguir os mesmos níveis de produção, eventualmente melhores com menos impacto. Portanto, sob esse ponto de vista, o consumidor, a pessoa tem muito impacto sobre aquilo que escolhe e sobre aquilo que utiliza e, portanto, quer pressionando as empresas para que lhes forneçam bens que tenham menos impacto, e não só impacto local, mas impacto em toda a cadeia de valor, que vai desde aquilo que fazem no sítio em que estão implantados, mas também onde é que vão buscar os seus produtos e como é que eles são feitos, até aos governos, no sentido de criarem incentivos e criarem formas de fazer as coisas melhor. E depois há outra questão absolutamente fundamental, é: um dos principais problemas é o consumo de carne, ou seja… eu consumo carne, portanto estou perfeitamente à vontade para falar nisso. Mas, digamos, há uma ineficiência muito grande na produção animal, relativamente à produção vegetal e, portanto, em geral, deveria haver uma tentativa de consumo…

Catarina Barreiros: Diminuído.

Pedro Beja: Diminuição do consumo de carne, porque isto também permite que, na mesma área, se consiga alimentar mais gente com qualidade, para além das questões de saúde, para além das questões de bem-estar, etc. Portanto, permite aumentar a forma como as pessoas têm acesso a bom alimento, alimento de qualidade, diminuindo-o. E, portanto, sob esse ponto de vista, também é uma decisão individual, mas que cria depois mercados, cria eficiência em novos produtos, etc. Portanto, digamos, há uma série de decisões que as pessoas podem ter, desde as reciclagens, a diminuição dos desperdícios, a utilização de produtos [00:25:00] com menos impacto, para além do seu envolvimento eventualmente em organizações, em projetos, etc., mas digamos, isso são os mais interessados. Mas cada um de nós tem este grande poder enquanto consumidor, principalmente. Porque enquanto consumidor escolhe e enquanto votante, já agora.

Catarina Barreiros: Vota comercialmente e politicamente.

Pedro Beja: Enquanto votante e enquanto comercial, porque isso faz com que as coisas se alterem, não é? Vê-se o que acontece no Brasil com vários governos e a forma como eles depois gerem as questões naturais. E manter-se informado, digamos. Às vezes não é fácil mantermo-nos informados.

Catarina Barreiros: É isso que eu queria perguntar, porque acho que nós estamos a… a batalha central há de ser sempre a da informação, não é? Porque o consumidor informado escolhe melhor e vota melhor, lá está, com as suas decisões, mas muitas vezes vemos, lá está, a desinformação. O que estava a dizer de comer carne e estar à vontade, o que se pede não é deixar de comer, é reduzir o consumo, não é? É isso que nos diz a ciência, é reduzir para níveis de consumo sustentáveis, não temos de repente de parar todo o consumo de carne no mundo, não é?

Pedro Beja: Sim, porque o que acontece… há uns gráficos muito giros em que se vê que há um aumento do consumo de proteína animal per capita, com o aumento do PIB per capita. Ou seja, as pessoas…

Catarina Barreiros: Certo. Há mais poder de compra.

Pedro Beja: Há mais poder de compra e, portanto, as pessoas, até um certo estatuto, porque… e, portanto, neste momento o que acontece é, digamos, o consumo de carne nos países mais ricos, digamos, está mais ou menos estabilizado ou talvez esteja a diminuir um bocadinho em determinados setores, mas está a aumentar muito nos outros países, na China e em África, etc. Aqui é muito difícil dizer: “não, não podem fazer o mesmo que nós fizemos”.

Catarina Barreiros: Certo.

Pedro Beja: Portanto, por um lado tem que se tentar ligar isto à saúde, e é também uma questão de saúde, não se pode dizer que não comam, porque senão vai acontecer uma catástrofe, porque nós estamos a fazer a mesma coisa e é tentar, mais uma vez, encontrar soluções em que haja alternativas também nutricionais…

Catarina Barreiros: Interessantes, não é?

Pedro Beja: …interessantes e que permita… porque no caso da biodiversidade, a batalha pelo espaço, a competição pelo uso do espaço, é muito grande porque ou tenho uma floresta ou tenho um campo agrícola. Não posso ter as duas coisas.

Catarina Barreiros: Certo. Há a agrofloresta, não é? Existem agora técnicas de agrofloresta.

Pedro Beja: Há a agrofloresta. Exato. Há muitas, mas isso às vezes…

Catarina Barreiros: O rendimento é que…

Pedro Beja: É um assunto difícil, mas as coisas que são produzidas, há muitas produções com muito poucos impactos, mas são muito ineficientes.

Catarina Barreiros: Hum-hum. É isso. A rentabilidade é diminuta.

Pedro Beja: Se todos comêssemos… portanto, as produções que são mais sustentáveis, no sentido de impactos locais, de ser produção com menor impacto local, seriam totalmente insustentáveis à escala global, porque ninguém…

Catarina Barreiros: Certo.

Pedro Beja: Porque seriam precisos muitos planetas para produzir algo de forma tão sustentável, digamos.

Catarina Barreiros: Certo.

Pedro Beja: E, às vezes, a desinformação vai também por aí, porque há coisas que parecem fáceis, porque é que não fazemos a leira da senhora que fazia como fazia há 50 anos? E eu diria: não é possível, porque se nós tivéssemos toda a agricultura como a leira da senhora que a fazia há 50 anos, metade da população morria à fome, não é?

Catarina Barreiros: Morria à fome. Certo.

Pedro Beja: E, portanto, digamos que esta… que nós estamos numa altura em que há estes desafios, em que as pessoas têm que perceber que, por um lado, agriculturas altamente intensivas são altamente insustentáveis e têm impactos muitíssimo grandes, mas coisas muito extensivas, com impactos muito pequenos também podem ser altamente insustentáveis por causa das questões da escala. E, portanto, o que é preciso, para os governos, para as empresas, para as pessoas tentarem encontrar soluções que passem por uma maior eficiência. E isto passa-se no consumo de comida, mas também na energia, não é? Como é que eu produzo energia de forma mais sustentável, sem menos emissões de carbono. Estávamos também a falar…

Catarina Barreiros: Conseguir dar energia a toda a gente.

Pedro Beja: Conseguir dar energia a toda a gente. Estávamos a falar há bocadinho da questão – antes de entrarmos – dos painéis solares. E a questão dos painéis solares é muito interessante, porque nós temos tido vários… em vários fóruns tenho tido várias conversas com empresas na questão da diminuição da pegada carbónica, porque é outra coisa que não temos falado muito, mas de facto, as mudanças climáticas é algo que também vai afetar imenso a biodiversidade e para as quais a biodiversidade também pode ajudar a contribuir para resolver. Mas quando nós consumimos menos, quando queimamos menos combustíveis fósseis, estamos a reduzir a pegada carbónica, mas estamos a produzir… [00:30:00] a com o problema resolvido e pronto, temos de dizer, não, estamos a alterar para aumentar a pegada territorial, porque estamos a aumentar a área ou para barragens, ou para parques eólicos ou para parques solares, etc. Portanto, não podemos dizer que estamos a reduzir a pegada carbónica, ficamos outro problema que eventualmente é melhor…

Catarina Barreiros: Conseguiremos ter mais tempo para resolver ou…

Pedro Beja: Eventualmente é melhor, mas que não posso ignorar, que também tem os seus impactos e, portanto, tem que ser gerido dessa mesma forma. Mas curiosamente nestas conversas, no último ano, talvez, a maioria das empresas acha “pronto, eu deixo de ter pegada carbónica, tenho o problema resolvido.” Pronto.

Catarina Barreiros: Certo. Só existe o carbono.

Pedro Beja: Não, não é só existe o carbono. De facto, é o problema, é aquilo que vem nos jornais, é a pressão que têm para resolver e ainda não pensaram no resto. Portanto é um movimento que só agora está a começar e nós sabemos, há grandes áreas que estão a ser planeadas de parques eólicos… de parques eólicos já existe, mas de centrais fotovoltaicas, que têm de ser bem instaladas porque não há planeamento, não há regras, não há nada, neste momento é uma…

Catarina Barreiros: Hum-hum. É aqui o papel das empresas, não é?

Pedro Beja: É aqui o papel das empresas.

Vítor Batista: É um grande desafio para as empresas, principalmente no setor energético, onde a EDP também está a abraçar o desafio desta mudança, desta transição energética, não é? E o que o Pedro está a dizer é precisamente aquilo, quer dizer esta transição energética não resolveu.

Pedro Beja: Não resolve tudo.

Vítor Batista: Não resolve tudo. Resolve um problema, mas está muito assente na resolução de um problema que é o carbono, a taxa de carbono que temos na atmosfera.

Catarina Barreiros: E que é importantíssimo e temos de agir sobre ele.

Vítor Batista: E que é importantíssimo e temos de fazer este caminho. Temos que o fazer.

Catarina Barreiros: Certo.

Vítor Batista: Mas ao avançarmos noutra direção temos que pensar que é a tal competição pelo espaço. Porquê? Um Quilowatt numa central convencional representava uma área mínima que agora comparado a um Quilowatt vai precisar de muito mais área…

Catarina Barreiros: É mais extenso, não é?

Pedro Beja: Exatamente.

Vítor Batista: Portanto, pela expansão na eólica, na solar e também na offshore. Portanto offshore é também um grande desafio, porque – e aí acho que temos pouco conhecimento, no meu entender, é um grande desafio também para a ciência, para o conhecimento – as alterações climáticas, eu acho que as movimentações de espécies, não sei se estou errado, são muito mais momentâneas, portanto acontecem muito mais facilmente e qualquer informação que nós… por exemplo até a própria delimitação das áreas protegidas vão deixar de estar atualizadas num curto espaço de tempo, porque as espécies já podem estar noutro sítio. Isto é um grande desafio que vamos encontrar no offshore, por exemplo, em que a ciência e a própria… que é um papel também muito importante que as empresas podem ser contribuidoras de dados…

Catarina Barreiros: Claro.

Vítor Batista: …de informação, à volta dos seus estudos, porque geram muito manancial de informação que possa ser utilizada para também numa prontidão mais eficiente, mais oportuna…

Catarina Barreiros: Quase em tempo real, não é?

Vítor Batista: …em tempo real, conseguirmos ter opções de planeamento, opções de gestão na forma como alocamos os nossos investimentos, de forma a minimizar este impacto. Mas são grandes desafios que acho que vêm aí, portanto o mar e a ocupação de solo, a competição pelo solo, quer seja para a agricultura, para a produção de energia sustentável, limpa, portanto, mas que não deixa de ter os seus impactos.

Catarina Barreiros: Claro. Falamos limpa em carbono, não deixa de ter outros impactos.

Pedro Beja: Ocupa território.

Catarina Barreiros: Exato.

Vítor Batista: Ocupa território. E há muitas soluções. Aliás, há quatro dias saiu um relatório conjunto da equipa técnica e científica que acompanha os painéis das alterações climáticas e dos serviços dos ecossistemas e da biodiversidade, e eles juntos chegaram a conclusões que este tema tem que ser trabalhado em conjunto. A luta pelas alterações climáticas e a conservação da biodiversidade e proteger a biodiversidade têm que ser trabalhados, porque as soluções de um impactam no outro.

Catarina Barreiros: Negativamente o outro, pois.

Vítor Batista: Eles potenciam-se. As grandes conclusões é que é inevitável resolver o problema se não for de forma conjunta. Esta é que eu acho que é a grande mensagem que podemos retirar e acho que são os caminhos do futuro, de aproximar, depois a ciência na base disto tudo, soluções baseadas na ciência e soluções baseadas na natureza, que estão na base disto como parte substancial do problema.

Catarina Barreiros: Ou seja, estarmos a resolver o problema do carbono e do controlo das emissões do carbono sem gerar externalidades negativas, chamemos-lhe assim, para a biodiversidade, sem gerar perda de biodiversidade. Falando assim.

Vítor Batista: Exatamente.

Catarina Barreiros: E se calhar esta pergunta não tem uma resposta. Eu sou completamente leiga nesta matéria. Mas se tivéssemos de pensar num método de produção [00:35:00]de energia que tenha menos… que afete menos a biodiversidade, existe algum que já se saiba que é melhor, dentro das renováveis? Todos têm as suas…

Pedro Beja: Todos têm os seus quês e depois depende onde está colocada, portanto tem a ver muito com o sítio, com o tipo de habitat. Portanto, isto não é uma equação. Eu acho que o mix será sempre uma solução.

Catarina Barreiros: Certo. Diversificar.

Pedro Beja: A biodiversidade tem uma palavra na raiz que é a diversidade.

Catarina Barreiros: Certo.

Pedro Beja: E eu acho que a diversidade, quando fazemos gestão de risco, os próprios negócios quando fazem gestão de risco, diversificam os seus ativos, a riqueza está na diversidade.

Catarina Barreiros: Exato. Um portfólio estruturado.

Pedro Beja: Acho que a solução é mesmo na diversidade.

Catarina Barreiros: OK.

Pedro Beja: Penso… não tenho fundamento científico para afirmar isto, mas penso que na minha visão das coisas, na gestão de risco e na gestão dos problemas que temos, é precisamente apostar na diversidade, na diversidade de soluções numa aproximação ao conhecimento na base das opções que tomamos.

Catarina Barreiros: Ok. Há bocadinho, Pedro, estava a falar da parte dos oceanos e de como o carbono afeta a biodiversidade. Aliás, não falou dos oceanos, mas falou como as alterações climáticas e o carbono afetam a biodiversidade. É um tema que ainda se ouve muito menos do que o tema do plástico por exemplo nos oceanos, que é como é que o aumento de temperatura global põe em risco os nossos oceanos – não é? – que são uma fonte de biodiversidade incrível e sem os quais não vivemos. Esse parece-me que é um tema que ainda não está muito explorado, mas quão essenciais são…

Pedro Beja: Já está. Não sei se para o grande público está.

Catarina Barreiros: Nos media.

Pedro Beja: O que acontece é que há variadíssimas questões e que estão, muitas vezes, relacionadas umas com as outras. A primeira é a própria temperatura do oceano que está a aumentar – não é? – e que faz com que ele alargue. Depois o que acontece com… o oceano, digamos, é um dos principais sumidouros de carbono, porque o carbono dissolve-se na água, mas quando o carbono se dissolve na água acidifica o oceano, o oceano torna-se mais ácido. E depois isso causa uma série de impactos em cadeia, por um lado as espécies digamos que estão a mudar de sítio – não é? – como o Vítor estava a dizer, portanto temos uma movimentação de espécies que estavam mais a sul que vêm mais para norte, há uma série de fenómenos de circulação – bom, eu devo dizer que a minha especialidade no oceano e no mar é nula que isto são questões gerais que conheço – de correntes…

Vítor Batista: Nutrientes.

Pedro Beja: …de zonas upwelling, há uma série de zonas que por várias razões são mais ricas em nutrientes, que mudam de sítio. Depois, digamos, talvez o fenómeno mais visível, mais mediático e mais espetacularmente terrível é a morte dos corais, não é? Portanto os recifes de corais são o equivalente às florestas tropicais dentro de água, são mais bonitos que florestas tropicais, são, de facto, espetaculares. As florestas tropicais… uma pessoa dentro da floresta tropical não…

Vítor Batista: Não vê a beleza.

Catarina Barreiros: Não tem a noção da grandiosidade, não é? Vê uma árvore ou uma folha, sim.

Pedro Beja: Não tem graça nenhuma, não vê nada. Uma pessoa dentro da Amazónia ou dentro de uma floresta – que eu tive a sorte de estar – do sudeste asiático, uma pessoa… um biólogo então acha fantástico lá estar no meio, mas aquilo não tem graça nenhuma de facto, porque são árvores umas atrás das outras.

Catarina Barreiros: De cima vê-se melhor.

Pedro Beja: De cima, vê-se muitíssimo melhor. Os recifes de corais não, os recifes de corais são lindíssimos. E o que acontece é que, com o aumento da temperatura, acontece uma coisa que é: ficam brancos, ficam totalmente brancos porque em períodos de stress… portanto, os corais têm uma associação simbiótica entre o coral ele próprio, que é um animal, e uma alga, não é bem uma alga, mas para simplificar chamemos-lhe alga, e em momentos de stress expulsa as algas, e os momentos de stress podem ter a ver com questões de aumento de temperatura ou de acidificação, e depois acabam por morrer. Portanto, digamos, que esse é talvez o aspeto mais visível e catastrófico, num certo sentido, das alterações climáticas no oceano. Bom e depois em terra há tudo. Há tudo o resto, desde… portanto, os ecossistemas estão a ir para Norte, os que estão no alto das montanhas não têm para onde ir, pura e simplesmente desaparecem pela montanha acima, não é? Porque normalmente com as alterações climáticas, as espécies e os ecossistemas ou se movem para norte ou se movem para cima, quando já lá estão em cima não têm mais sítio para ir.

Catarina Barreiros: Certo. Não há mais nada a fazer.

Pedro Beja: Portanto, digamos que há alterações muito grandes, há alterações em termos também da gestão da água, [00:40:00] que é outro tema muito importante. Não sei se as pessoas têm noção, mas os ecossistemas mais ameaçados e onde há mais perca de biodiversidade é nos ecossistemas de água doce. São os rios, são os lagos. É onde, de longe, neste momento há maior perca de biodiversidade por variadíssimas razões, que também são extremamente afetados pela diminuição da chuva, por secarem, etc. Portanto, digamos que esse é um efeito que, a par da ocupação do solo, digamos que terá maior impacto nos próximos anos.

Catarina Barreiros: Certo. Antes de nós… eu saio sempre aqui dos episódios, ou quando estou a ouvir, penso sempre: caramba, como é que nós chegámos a este ponto, não é?

Pedro Beja: Nós chegámos a este ponto… eu voltaria um pouco atrás, porque nos reproduzimos como coelhos. Num certo sentido, porque é verdade… e num certo sentido nós fomos… com a criatividade humana e com a inovação nós, apesar de tudo, conseguimos um crescimento populacional gigantesco e que as pessoas vivam cada vez melhor. Ou seja, apesar do que vemos nos telejornais todos os dias, em média há um aumento da qualidade de vida monumental.

Catarina Barreiros: Certo, certo.

Pedro Beja: Há um livro muito interessante que foi publicado no final dos anos 70, talvez conheçam, que se chamava The Population Bomb, do Paul Ehrlich e da Anne Ehrlich, e que dizia que íamos todos morrer, não é? Basicamente.

Catarina Barreiros: Sim. Foi aí que se começou a falar de sobrepopulação e do fenómeno.

Pedro Beja: Falou-se de sobrepopulação, e com razão, ainda bem, porque de facto era esse um problema, mas também se falou que havia necessidade de fazer controlo de natalidade agressivo, que se devia quase esterilizar as pessoas e que, mesmo que se fizesse isso, ia haver guerras horríveis por comida. E nessa altura éramos três biliões e qualquer coisa, ou 3,5 biliões e meio e qualquer coisa. E de facto nós conseguimos, através da inovação, da intensificação da agricultura, passar para 8 biliões quase, alimentar toda a gente e, apesar dos imensos problemas que existem, as pessoas vivem melhor. Só que isso foi feito à conta de externalidades gigantes, não é? Nós poluímos os oceanos, ocupámos espaço, etc., e portanto nós de certa forma ganhámos tempo, porque conseguimos fazer com que a população aumentasse e que não houvesse o cenário catastrófico…

Catarina Barreiros: Apocalíptico quase.

Pedro Beja: …apocalíptico da The Population Bomb mas, quer dizer, ganhámos tempo para resolver o problema e agora… porque nós não podemos continuar a aumentar indefinidamente, felizmente há aqui uma certa tendência para a população estabilizar.

Catarina Barreiros: Estabilização em 2100, sim.

Pedro Beja: E agora temos de fazer o percurso inverso, que é como é que nós conseguimos criar condições para estas pessoas viverem, com inovação, com qualidade e com menos impacto sobre os recursos, tentando que as coisas sejam feitas de maneira diferente. E há bocadinho, por causa da história do que é que as pessoas podem fazer, às vezes as soluções são simples. Mais uma vez, eu não acho que isto tenha soluções, portanto isto é um problema complexo e que, portanto, não tem uma solução.

Catarina Barreiros: As respostas a curto prazo...

Pedro Beja: Vão havendo respostas a curto, médio prazo.

Catarina Barreiros: Certo.

Pedro Beja: E por exemplo, há um problema que é o declínio dos polinizadores, portanto há um problema generalizado que são as abelhas, as borboletas, os insetos em geral estão em declínio, que pode ter a ver com várias razões, desde as mudanças climáticas, os pesticidas, a destruição de habitats, etc. Portanto, isso é um problema, digamos é uma das coisas que está na agenda da União Europeia, etc. E as cidades são sítios ótimos para conseguir conservar polinizadores, porque ao contrário das zonas agrícolas não têm grande aplicação de pesticidas. Portanto, se nós gerirmos os jardins, se gerirmos os canteiros de determinada forma, consegue manter-se espaços naturais em áreas urbanas, em que as pessoas convivem com a natureza, amenizam climaticamente as cidades e grande parte da população humana já vive em cidades, mas ainda vai viver mais em cidades e, portanto, a gestão das nossas cidades e a forma como os canteiros ao nosso lado são geridos…

Vítor Batista: Sejam refúgios de polinizadores, não é?

Pedro Beja: …sejam refúgios da biodiversidade e da amenização climática, que isso passa, por exemplo, para as pessoas pensarem que não é só a relva que é bonita.

Catarina Barreiros: As flores que atraem, os girassóis.

[00:45:00]

Pedro Beja: As flores que atraem, o deixar gerir de forma diferente os canteiros, que podem ser muito bonitos também, que ficam cheios de flores muito mais do que a…

Catarina Barreiros: Mesmo os prados floridos. Aquele crescimento de solo.

Pedro Beja: Mesmo os prados floridos. Há várias formas de fazer isso, que mantêm a biodiversidade e portanto isso passa o quê? Passa pelas pessoas terem perceção, terem digamos imagens mentais do que é que é bonito e do que é que não é bonito, do que é que bom e do que é que não é bom. E depois quando votam nos seus autarcas, ou quando têm as suas associações, promoverem isto. Portanto, digamos, isto é um problema global que funciona desde o nível de pessoas, o nível das empresas, o nível dos governos e depois as grandes organizações, que têm de tentar gerir este problema complexo, mais do que resolver, porque resolver, provavelmente, não se resolve.

Vítor Batista: Eu acho que sim, que é uma questão de gestão. É uma questão de tentar compatibilizar. A sustentabilidade não é uma coisa natural. A sustentabilidade é uma estratégia de sobrevivência para a população humana, não é? O homem teve necessidade de criar estes conceitos de sustentabilidade, porque não é uma coisa da natureza.

Catarina Barreiros: Porque viu que existia um desequilíbrio, não é?

Vítor Batista: Exatamente. Porque o homem em termos de espécie humana é muito recente, o homem é muito recente, ele nunca passou por nenhuma extinção em massa e corre o risco, dizem os estudos mais recentes…

Pedro Beja: De fazer a sua própria extinção.

Vítor Batista: …que nós estamos num antropoceno, que teve de criar esta era aqui específica, pelo grande impacto de modificação do planeta causada pela atividade humana, que é uma espécie de um ecossistema. Portanto, ele emancipou-se da natureza, nunca se afastou da natureza para as soluções que encontrava para aumentar a sua esperança de vida, porque a esperança de vida também foi um problema de aumentar a superpopulação, não é só a reproduzir como coelhos…

Pedro Beja: [sobreposição de vozes].

Vítor Batista: Pegando naquele problema, mas foi o facto também da esperança de vida duplicou.

Catarina Barreiros: Vivamos mais tempo, somos mais, ocupamos mais espaço, vivemos melhor.

Vítor Batista: Exatamente. Porquê? Mas, se formos pensar, as soluções estão sempre na natureza. Ou seja, por isso é que a natureza, a biodiversidade é o seguro de vida da própria humanidade e continuidade da humanidade. Portanto, voltando, o homem nunca passou por nenhuma extinção em massa, está a entrar já numa sexta extinção em massa e isto é grave porque é das espécies que, se calhar, está mais afastada, mas com as soluções na natureza e com menos probabilidade, se calhar, de sobreviver. Portanto isto é uma questão… uma coisa podemos ter certa, é que a vida no planeta não vai acabar.

Pedro Beja: Exato. Isso não.

Catarina Barreiros: Certo.

Vítor Batista: Nós é que…

Catarina Barreiros: Podemos não estar cá.

Vítor Batista: Nós podemos é não ser parte dessa continuidade da vida, até porque a nossa sorte foi desaparecerem os dinossauros há 65 milhões de anos, porque se não tivessem desaparecido, não teria surgido outra espécie dominante e, se calhar, nós poderemos correr o risco de dar espaço a outra espécie que possa vir a ser dominante.

Catarina Barreiros: Eu acho que disse aí uma frase e se me permite eu vou fechar com essa frase que é: “A natureza é o seguro de vida da humanidade”. E é isto que nos temos de recordar todos os dias e pensar que é Agora ou Nunca.

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