O Grupo EDP tem uma nova unidade de negócio focada no hidrogénio verde, a H2 Business Unit, para reforçar a liderança na transição energética. O potencial do H2 verde tem vindo a ser muito trabalhado na EDP nos últimos anos, exemplo disso são os projetos inovadores FLEXnCONFU e BEHYOND.
A aposta da EDP no hidrogénio verde está em linha com os objetivos mundiais de descarbonização, mas também com a redução de custos deste produto essencial, esperando-se que atinja a competitividade ao longo desta década. Desta forma, o hidrogénio verde será cada vez mais integrado no portefólio de projetos de inovação da EDP.
Liderada por Ana Quelhas, a H2BU - H2 Business Unit vai focar os seus esforços nas oportunidades de hidrogénio verde junto de setores como a indústria do aço, química, refinarias e cimentos, bem como transportes pesados de longo curso. Os mercados prioritários serão os Estados Unidos e a Europa. “Se queremos cumprir os objetivos de neutralidade carbónica, vamos precisar de recorrer a outros vetores energéticos, como o hidrogénio verde, para dar resposta aos setores onde a eletricidade não é uma opção tecnicamente viável ou economicamente atrativa”, afirma Miguel Stilwell de Andrade, CEO da EDP.
É precisamente de olhos postos no hidrogénio que surgiram em 2020 o FLEXnCONFU e o BEHYOND, que detalhamos de seguida. Miguel Patena, diretor de Inovação da EDP Produção, explica os objetivos do FLEXnCONFU, projeto a decorrer na Central Termoelétrica do Ribatejo. Sofia Ganilha, project manager do BEHYOND, e Nuno Filipe, project manager do EDP NEW, desvendam alguns detalhes do estudo para a produção de hidrogénio a partir de parques eólicos offshore.
FLEXnCONFU
- FLEXnCONFU: Preparar o caminho das centrais
- Projeto FLEXnCONFU em marcha acelerada
- De olhos postos nos transportes
BEHYOND
- BEHYOND: A combinação perfeita de vento e água
- Quais as vantagens de ser offshore?
- Produção em função do destino
- Plano alargado em cima da mesa
FLEXnCONFU: Preparar o caminho das centrais
A Central Termoelétrica do Ribatejo está envolvida num projeto que
pode levar a uma maior adaptação das atuais centrais a um futuro em
que o hidrogénio está cada vez mais presente nas cadeias de produção e
consumo de energia. Com 21 parceiros envolvidos - destacando-se a EDP
Produção e EDP NEW -, e três países (Portugal, Reino Unido e Itália),
o FLEXnCONFU prolonga-se até ao final de 2024, com dois anos de
demonstrações práticas do uso e produção de hidrogénio nas turbinas de
gás natural da central.
“Este pequeno projeto-piloto é pequeno na dimensão mas grande no seu
significado e no seu propósito futuro”, destaca Miguel Patena, diretor
de Inovação da EDP Produção e um dos responsáveis pelo FLEXnCONFU, que
tem um orçamento de 12,6 milhões de euros e é financiado a 70% pela
União Europeia. A EDP Produção contribui com um orçamento de 2 M€ para
a instalação do piloto, e o NEW com 0,3 M€ nas atividades relacionadas
com a disseminação e outras utilizações do H2.
Na prática pretende-se produzir hidrogénio a partir de um
eletrolisador de 1MW, testar o seu armazenamento em tanques
pressurizados, e injetá-lo nas turbinas de gás para produção de
energia elétrica em ciclo combinado. “Este projeto vai-nos dar as
bases, do ponto de vista tecnológico, para validar as soluções no
futuro e pensar se vale a pena ou não preparar os ciclos combinados
para maior percentagem de hidrogénio no gás natural”, explica o
responsável da EDP Produção, lembrando que “a injeção de H2 é
simbólica, apenas 0,1%” da capacidade das turbinas. Ainda assim o
suficiente para “se experimentar do ponto de vista tecnológico e
demonstrar se faz sentido ou não subir de escala”.
As turbinas a gás das centrais CCGT da EDP suportam uma mistura com
cerca de 10% de hidrogénio, pelo que “a partir desse limite temos de
fazer alterações substanciais, com um custo elevado”, explica Miguel
Patena. Por outro lado, a estratégia do Governo também passa por
apostar num blending de hidrogénio no gás natural. “Vai acontecer nos
próximos anos e, ao testarmos esta tecnologia num ciclo combinado,
vamos antecipar essa necessidade no futuro”, avança o responsável.
No fundo, a preocupação da EDP também passa por “aprender a tecnologia
e a sua flexibilidade”, uma vez que, tirando o eletrolisador, “todos
os sistemas que estão à volta são feitos à medida” e “até o
licenciamento para isto é uma novidade em termos de centrais
convencionais”.
Projeto FLEXnCONFU em marcha acelerada
Terminadas as fases iniciais de layout e engenharia, 2021 é ano de
definição das especificações técnicas para compra de equipamentos, que
devem chegar durante 2022. Já com o local na Central do Ribatejo
preparado, o próximo ano será de montagem das estruturas, com os
primeiros testes a poderem ser feitos no final de 2022. “O compromisso
com a Comissão Europeia é, durante 2023 e 2024, ter dois anos de
demonstração de resultados, de que o H2 se pode queimar de forma
segura e flexível nas turbinas”, detalha Miguel Patena.
Ao todo, estão previstas 1000 horas de utilização do hidrogénio, o
equivalente a mais de 41 dias se pensarmos numa produção de 24 horas.
Segundo o diretor de Inovação, isso vai incluir vários tipos de
operações, como “testes de emergência, de arranque quase a 100% de
hidrogénio - os tais 0,1% na mistura -, disparos, variações de carga”.
Tudo isso “com vários parceiros a querer olhar e participar nesta
análise”.
Há uma equipa multidisciplinar a trabalhar no FLEXnCONFU, que chegará
a 15 pessoas na fase de instalação, mas a ideia é que muito mais
estejam integradas no projeto. “Interessa envolver o maior número de
pessoas possível”, indica o responsável, “para fazer esta aprendizagem
interna, para nos podermos posicionar para outros projetos mais
ambiciosos.
Miguel Patena acredita que essa é uma questão importante para todo o
setor, porque os postos de trabalho na transição energética “vão ser
reinventados”. Desde logo pelo caráter transversal e inovador do
hidrogénio no futuro: “Olhando só para a EDP, é comum a praticamente
todas as áreas, do ponto de vista das renováveis, da produção e mesmo
na parte comercial e serviços”.
De olhos postos nos transportes
Segundo o diretor de Inovação da EDP Produção, “o hidrogénio é a last
mile da descarbonização”. A eletrificação é mais fácil e eficaz em
geral, “mas há indústrias como a pesada, as siderurgias e os
transportes de longo curso que precisam de outras soluções. São esses
segmentos que podem valorizar o hidrogénio como matéria-prima
barata”.
É também por isso que já estão a surgir outras sinergias na Central do
Ribatejo, que podem abrir o caminho para depois de 2024, quando a
demonstração do FLEXnCONFU tiver terminado. “Atendemos a uma chamada
da Câmara de Alenquer e promovemos um estudo com a Iveco, com a
autarquia e com a Luís Simões, para testar a utilização de H2 também
nos transportes”, avança Miguel Patena. Detalha que “terá de ser
negociado depois com o consórcio, mas, ficando o eletrolisador na
central, poderia alimentar um hub de hidrogénio para transporte de
longo curso ou de passageiros na região”.
O eletrolisador deste projeto seria sempre “marginal” em termos de
alimentação da central no futuro, mas o suficiente para outros usos.
Caso seja decidido apostar mais no H2 em ciclo combinado, “o gasoduto
traria já essa mistura proveniente de outro local”, tendo em conta os
outros projetos de hidrogénio em que a EDP está envolvida.
E mesmo que não haja uma evolução do projeto para novos patamares após
a sua conclusão, a missão já terá sido cumprida. “O que nós queremos é
tirar as lições que possam sair da central para todas as utilizações
em que seja necessário o hidrogénio. A aprendizagem faz-se
experimentando”, termina Miguel Patena.
BEHYOND: A combinação perfeita de vento e água
Há algumas décadas poucos se lembrariam de colocar turbinas eólicas no
mar, muito menos associadas à produção de hidrogénio. A verdade é que
atualmente há pelo menos 15 projetos relacionados com eólicas offshore
em desenvolvimento na Europa e um deles, o BEHYOND, tem coordenação
portuguesa, a cargo da EDP NEW.
“O BEHYOND iniciou em finais de outubro de 2020 e tem a duração de um
ano”, explica Sofia Ganilha, project manager do programa que está a
ser desenvolvido em parceria com o centro de engenharia CEiiA, a
WavEC, a TechnipFMC e a universidade norueguesa USN, com mais de 40
pessoas na equipa. “Neste momento estamos a concluir a identificação
das geografias e regiões mais propensas a apoiar a implementação desta
nova tecnologia”, continua a responsável, adiantando que o próximo
passo “é focado na definição dos modelos de negócio mais viáveis e
atrativos”.
Mas o que pretende afinal o BEHYOND? Porquê produzir H2 a partir de
eólicas offshore? Na prática, trata-se de aproveitar um “recurso
intermitente”, como é o eólico, para a produção de hidrogénio, criando
uma sinergia entre os dois. “Neste projeto pretendemos analisar não só
a viabilidade de redirecionar uma parte da eletricidade gerada pelos
parques eólicos offshore para a produção de hidrogénio, mas também a
construção de parques 100% dedicados ao H2”, detalha Sofia Ganilha.
No fundo, sendo um estudo de viabilidade tanto técnica como económica,
todas as variáveis estão em cima da mesa. E os resultados iniciais,
segundo a project manager, são bastante positivos: “Têm demonstrado a
atratividade que envolve este novo modelo híbrido de geração
sustentável de energia”. E Nuno Filipe, líder da área RES Integration
& Flexibility no EDP NEW, defende que esta pode ser “uma solução
competitiva e escalável, com aplicação em diferentes geografias,
podendo ser utilizada pelos proprietários de parques eólicos, com o
objetivo de produzirem hidrogénio verde”.
Quais as vantagens de ser offshore?
Apesar de parecer um processo bastante complexo, Sofia Ganilha explica que existem várias vantagens potenciais na aposta em produzir hidrogénio no mar:
- Mover a produção de H2 para offshore beneficia de um recurso energético mais estável, permitindo produzir hidrogénio de forma mais constante.
- Ao substituirmos a ligação elétrica à terra por pipelines de hidrogénio, necessitamos de menor investimento inicial (cabos de eletricidade de alta-tensão têm um custo maior). E esses mesmos pipelines para hidrogénio podem atuar como um buffer/armazenamento intermédio para o H2 produzido, o que evita um eventual investimento extra em terra.
- Existem vastas áreas marítimas disponíveis para estas implementações que, de certa forma, têm uma maior aceitação pública por estarem distanciadas de zonas residenciais, comerciais e industriais.
Nuno Filipe acrescenta que o ambiente offshore “tem condições de
recurso mais favoráveis, o que garante uma maior disponibilidade de
energia gerada, levando a um custo de eletricidade mais baixo, o que
tem um grande impacto no custo final do hidrogénio produzido”. Além
disso, “no mar não existem restrições de ruído e operacionalidade, o
que permite um maior aproveitamento e eficiência do sistema”.
Quanto a desafios, segundo o líder da área RES Integration &
Flexibility no EDP NEW, “prendem-se com a montagem, logística e
manutenção dos parques eólicos marítimos, dado que esta área é recente
e carece ainda de dados e informações específicas”. E ao nível da
produção e transporte, há que ter em conta também “o ambiente
corrosivo”.
Produção em função do destino
À primeira vista, uma solução híbrida, com eletricidade e hidrogénio a
fazerem o seu caminho para a costa, parece o mais adequado para a
região que estiver próxima. E Sofia Ganilha destaca a “flexibilidade
que oferece, seja por motivos de segurança - em caso de shutdown de um
dos sistemas, é possível tirar proveito do outro -, seja por motivos
de otimização, já que se pode privilegiar a produção de hidrogénio ou
eletricidade consoante a valorização no mercado em cada momento”. Isto
sem esquecer a possibilidade de aproveitar a energia do vento mesmo
quando o consumo de eletricidade na rede é reduzido.
No entanto, uma produção eólica 100% dedicada a hidrogénio também tem
as suas vantagens. “A implementação de soluções para produção e
utilização de hidrogénio é determinada pela procura que existe numa
dada região”, recorda a responsável do projeto BEHYOND da EDP
Inovação, “depende primeiramente da existência de um utilizador final
que tenha necessidades de consumo de hidrogénio e/ou eletricidade”.
Assim, Sofia Ganilha prevê que este modelo possa fazer sentido em
zonas industriais costeiras ou perto da costa, onde o hidrogénio seja
ou possa vir a ser uma matéria-prima essencial.
Plano alargado em cima da mesa
O BEHYOND não prevê uma fase de testes no terreno, mas essa porta não
está fechada, seja do lado da EDP ou dos parceiros. Até porque,
segundo Sofia Ganilha, “existe um enorme potencial no eólico offshore
para fornecer energia à sociedade em geral. E vários países europeus
têm uma visão ambiciosa para o hidrogénio e já se revelaram dispostos
a apoiar soluções similares às que estamos a desenvolver”.
Quanto a Nuno Filipe, acredita que a tecnologia estará pronta para ser
comercializada em 2025, mas “é necessário encontrar outros programas
de financiamento, para levar o projeto “da prova de conceito até à sua
comercialização”.
Seja qual for o passo seguinte, quando o BEHYOND tiver sido concluído,
Sofia Ganilha acredita que “vai permitir à EDP adquirir o know-how
necessário para determinar a viabilidade deste segmento de negócio. O
hidrogénio verde, produzido a partir de fontes de energia renovável,
irá tornar-se uma das principais alavancas da descarbonização, ao
mesmo tempo que mitiga a intermitência das fontes de energia renovável
onshore e offshore”.
Lembra ainda que “a colaboração com muitos dos principais players
tecnológicos e académicos da área vai permitir construir uma base
sólida e, ao liderar o projeto BEHYOND, a EDP está a antecipar uma
tendência e a preparar-se mais uma vez para o futuro da energia”. Por
seu turno, Nuno Filipe destaca que “a possibilidade de aproveitar esta
energia para produzir hidrogénio, ao invés de ser desperdiçada,
garante a produção de um recurso a um preço muito baixo, que poderá
ser mais tarde utilizado para a produção de energia elétrica, ou ainda
melhor, para o consumo direto do H2 onde faz mais sentido, em usos
finais não eletrificáveis”.