Entrevista a Sebastian Groh: CEO da SOL Share

A SOL share foi considerada uma das startups mais inovadoras de todo o planeta. A empresa sediada no Bangladesh venceu, este ano, a competição internacional Free Electrons e foi alvo de um investimento de 500 mil dólares por parte da EDP Ventures. Nesta entrevista, Sebastian Groh explica por que o foco do seu trabalho nos 5 Ds aplicados à energia: descentralização, descarbonização, disrupção, democratização e digitalização.

     

Um alemão que escolhe o Bangladesh para viver e lançar o seu negócio, não é uma situação comum. Como começou esta aventura?

A minha motivação teve que ver com o facto de no Bangladesh existirem cerca de cinco milhões de sistemas solares domésticos para autoconsumo, o que representa um universo de 25 milhões de pessoas que têm como fonte primordial de energia o sol. E isto é único no mundo. Não há nenhum país com este grau de expansão em sistemas solares. Esta solução ajuda, principalmente, a combater o problema da pobreza. Pessoas que não têm acesso à eletricidade escolhem o solar como a sua fonte de energia, porque é a melhor opção que possuem. Esta é uma realidade muito diferente da do mundo ocidental, que tem outras opções na mesa. Aqui discute-se o alcance económico do solar, porque ainda não existem outras redes.

Portanto, fiquei muito impressionado com estes números e fui para o Bangladesh para aprender a forma de funcionamento do sistema, enquanto estudante. Fiz a minha pós-graduação em microenergia, e descobri uma série de coisas que para mim foram decisivas para mudar as regras do jogo. 
 

Entretanto, lançou a SOLshare. Como funciona o seu negócio?

Uma das coisas que descobrimos foi que as pessoas pagam um preço de eletricidade enorme pelo KW/hora. Claro que compram pequenas quantidades, mas pagam um preço demasiado caro. A segunda coisa que descobrimos foi que há uma forte capacidade de acesso a esta fonte de energia que é o sol. São duas horas da tarde, o sol está a brilhar, a bateria está cheia. E o que se passa depois? A energia é desperdiçada. Portanto, paga-se uma grande soma pelo KW/h, enquanto milhares de KW são desperdiçados todos os dias. O que a SOLshare tentou perceber é como se pode construir uma plataforma em que é possível interconectar todos os sistemas de produção de energia para explorar estes recursos perdidos.

De que forma é que a SOLshare lucra com este sistema?

Este sistema é completamente baseado numa abordagem de economia partilhada, tal como um Airbnb ou uma Uber, que consiste em utilizar um recurso, no nosso caso, um sistema solar doméstico, e arranjar uma forma de o levar a mais pessoas. Em contrapartida, cobramos uma taxa por cada KW/h partilhado entre vizinhos. É o nosso fluxo de receitas.

Podemos afirmar que, ao mesmo tempo, a SOLshare contribui para o desenvolvimento económico e social do Bangladesh?
O que eu diria é que as pessoas estão muito limitadas no acesso à eletricidade. Quando a SOLshare aparece nas suas localidades, com esta oferta, pode significar que passem a ter acesso pela primeira vez à eletricidade. E a eletricidade torna possível um mundo de coisas. Se pensar um pouco, tudo o que fazemos durante um dia, de alguma forma, depende da eletricidade. Todo o desenvolvimento de uma comunidade se resume a fatores como “há eletricidade suficiente?”, “é acessível?”. Como é que posso ter uma atividade económica se não tiver acesso à eletricidade? Se pensarmos bem, toda a gente tem um telemóvel. Mas se não tiveres acesso à eletricidade como é que o recarregas?

A EDP Ventures investiu no vosso negócio. Qual a importância destes investimentos?

Em primeiro lugar, a EDP comprometeu-se seriamente com a iniciativa na área da energia sustentável SEforALL (Sustainable Energy for All). António Mexia, o CEO da EDP, é inclusivamente, o presidente desta iniciativa. A EDP é uma das companhias com projetos em África, que é outra das regiões que estamos atentos no futuro. E ficámos muito motivados com o apoio demonstrado pela EDP, no Free Electrons. Pensamos que a abordagem que estamos a ter no Bangladesh se vai tornar num tema relevante daqui a cinco anos também aqui em Portugal. Se pensarmos em ter mais sistemas solares nos terraços, no futuro a questão será: com o meu próprio sistema solar, porque é que eu preciso de uma grande companhia para me abastecer energia? Porque é que não partilho essa energia com o meu vizinho e com a minha comunidade? A EDP já percebeu isso e está a tentar encontrar o seu papel nesta nova realidade. E a SOLshare é um bom exemplo do que acontece já hoje – combatemos um problema grave de escassez de energia, mas estamos já a preparar o mercado para o futuro.
 

A vitória no Free Electrons representou uma nova fase na vida da SOLshare?

Definitivamente. Chegámos ao Free Electrons e dissemos: vejam, a SOLshare é a utility do futuro. Mas era um pouco uma frase de marketing vazia de conteúdo. Através do Free Electrons demonstrámos efetivamente quanta verdade existia nessa frase. A forma como negociamos eletricidade no Bangladesh tem um enorme potencial e fez-nos questionar como é que no resto do mundo podemos interconectar sistemas solares, aprender a encontrar os melhores algoritmos para tornar mais eficaz o sistema e ainda conseguirmos resolver o problema da pobreza energética. Enquanto resolvíamos este problema esbarrámos nesta grande inovação de partilha de energia peer-topeer, que poderá ser escalada depois. O Free Electrons ajudou-nos a perceber o potencial.

No decorrer do Free Electrons teve oportunidade de ir a vários pontos do mundo. Como foi esta experiência?

Começámos a competição com o bootcamp realizado em Lisboa, depois seguimos para Melbourne e Sydney, na Austrália, e depois fomos para São Francisco, nos Estados Unidos. Quando o Free Electrons terminou, em Berlim, já tínhamos aprendido um pouco mais em cada módulo. E a cada módulo íamos convencendo mais utilities que a SOLshare tem mesmo algo para oferecer, apesar de estarmos a trabalhar numa área a que estas não têm acesso. Por definição, os nossos clientes encontram-se em áreas onde as utilities não atuam. Ainda para mais estamos num país desconhecido para a maioria das utilities.

O sector da energia está a caminho de uma nova era. Na sua opinião como será a utility do futuro?

O futuro da energia será fortemente descentralizado, o que significa que uma fonte de abastecimento não será construída numa área em que ninguém precisa de energia, mas sim no local onde também será usada essa energia, com um acesso mais democratizado. O futuro será descarbonizado o que nos leva, no nosso caso, ao solar. E será digitalizado. O que é fascinante é que já combinamos os 5 Ds no Bangladesh. Já somos uma espécie de utility 2.0. Acho que este é um bom exemplo do futuro. Como se conseguiu reverter o ciclo da inovação, através da construção de algo novo nas zonas rurais do Bangladesh, que é tão inovador e disruptivo.