Transcrição Podcast - Alterações Climáticas

Informações:

Duração do audio: 00:47:38

Convidados: Júlia Seixas e Sara Goulartt

Entrevistadora: Catarina Barreiros

 

Transcrição:

Somos todos agentes de mudança. E juntos podemos transformar o mundo. É agora ou nunca! Um podcast EDP que discute o presente e procura soluções para um futuro mais sustentável.

Catarina Barreiros: Olá, o meu nome é Catarina Barreiros, tenho o projeto Do Zero onde vou à procura de respostas para as muitas perguntas sobre a sustentabilidade e este é o podcast É Agora ou Nunca, um podcast EDP, onde discutimos o presente para apresentar soluções de futuro para um mundo mais sustentável. Hoje vamos falar sobre alterações climáticas e tenho comigo Júlia Seixas e Sara Goulartt. Júlia Seixas, professora e investigadora na área da energia e alterações climáticas, coordenadora Climate-KIC Hub Portugal e da linha Energia & Clima do Centro de Investigação CENSE. Sara, formada em Engenharia do Ambiente, aluna da Júlia. Formada em Engenharia do Ambiente pela Universidade Nova de Lisboa, Mestre em Economia e Energia do Ambiente pelo ISEG e está na EDP desde 2000 e, desde 2007, está responsável pela área de sustentabilidade, de ambiente e clima da Direção de Sustentabilidade da EDP. Muito obrigado às duas por estarem aqui. E vamos assim começar com um grande tema que é a ODS 13, ação climática. E gostava de perguntar Júlia o que é que são as alterações climáticas, o que é isto das alterações climáticas, em que é que nós estamos a contribuir enquanto pessoas e espécie humana para as alterações climáticas.

Júlia Seixas: Bom, é uma pergunta muito grande. Vou tentar responder em pouco tempo. Alterações climáticas… nós usamos o termo “alterações climáticas” para nos referirmos de facto a um padrão diferente do clima do Planeta Terra, comparativamente ao clima do passado. Nesta comparação, temos uma referência no passado que é a era antes da Revolução Industrial. Porque a Revolução Industrial foi aquela que permitiu um progresso gigantesco para a humanidade, promoveu padrões de saúde, de alimentação e de conforto como nunca existiu antes, mas para estes padrões, tivemos que consumir carvão, num primeiro momento, e depois petróleo e depois, finalmente, o gás natural. E estes três combustíveis de origem fóssil, quando são queimados, libertam CO2 para a atmosfera. E o que é que acontece a este CO2 na atmosfera? Bom, contribui para uma espécie de – vamos pensar assim, dizer assim – uma espécie de aumentar o cobertor que já existe naturalmente, porque naturalmente, nós temos CO2 na atmosfera, metano, etc.. E ainda bem que temos porque permite-nos que a temperatura na terra seja agradável e seja necessária para haver vida na terra. Se não houvesse este cobertorzinho, digamos, nós não conseguíamos ter vida na terra. De facto, a isto chama-se o efeito de estufa. Temos um efeito de estufa natural. Mas quando nós queimamos muitos combustíveis fósseis, estamos a aumentar o número de cobertores, ou a torná-lo mais grosso e, então, a energia do sol depois não consegue escapar para o espaço o seu equilíbrio e ficamos mais quentes, dentro desta estufa. E, portanto, é isso que está a acontecer desde a Revolução Industrial, com um padrão mais acelerado e mais intenso a partir de 1950, a seguir ao fim da Segunda Guerra Mundial. Isto tem uma explicação depois. 

Catarina Barreiros: Aumentou o consumo também, não é?

Júlia Seixas: Aumentou o consumo e, portanto, é a partir de 1950/60 que de facto todos os gráficos mostram um crescimento exponencial em várias áreas de consumo e, por conseguinte, à energia e aos combustíveis fósseis. E, portanto, as alterações climáticas dizem respeito a este fenómeno que é o exacerbar deste efeito de estufa que faz com que atualmente, quando comparado com esse clima antes da Revolução Industrial, a temperatura global, em termos médios do planeta, esteja 1ºC mais quente do que nessa altura. 

Catarina Barreiros: OK. Portanto, aqui o peso humano claramente marcado pela Revolução Industrial, não é?

Júlia Seixas: Certo.

Catarina Barreiros: Portanto a nossa atividade que fez aumentar o tal gráfico exponencial, que continua exponencial e não se prevê quando é que… ou acha…?

Júlia Seixas: Em termos de consumo de energia, sim, continua; em termos de emissões, começamos a detetar o princípio de uma estabilização. A contabilidade global é feita todos os anos por um grupo grande de cientistas. O projeto chama-se Global Carbon Project e todos os anos fazem o balanço global das emissões de CO2 do planeta. E, nos últimos 2 anos, começámos a perceber uma tendência para não crescer, para estabilizar e, portanto, vamos… temos de esperar mais uns anos para perceber o que realmente é que significa esta estabilização. Não estou a falar das emissões deste ano. Este ano é um caso particular.

Catarina Barreiros: Certo. Certo. Certo.

Sara Goulartt: Mas isto já é uma conquista.

Catarina Barreiros: É uma conquista. 

Sara Goulartt: É uma contabilização, que nós temos que nos lembrar que temos uma população mundial…

[00:05:00]

Catarina Barreiros: Em crescimento. 

Sara Goulartt: Acelerado. 

Catarina Barreiros: Exato. Era por isso que eu estava a perguntar esse gráfico, porque quando me lembro dos gráficos de carbono, lembro-me também de um gráfico que se dizia exponencial, mas que já se prevê que em 2100 também estabiliza razoavelmente que é o do crescimento populacional, mas queria perceber então o que é que se estava a passar com o crescimento carbónico. Isso são de facto boas notícias. E são boas notícias, porque o setor da energia também está a fazer um trabalho de transição e de descarbonização, não é?

Sara Goulartt: Sim. O setor da energia, leia-se o setor elétrico neste caso, porque consegue ir buscar energias renováveis, não é?

Catarina Barreiros: Certo. Certo.

Sara Goulartt: E, de facto, o setor é um setor numa enorme… nem lhe chamaria transformação, é quase de revolução, porque é muito próximo, é um momento muito curto em que há muito pouco tempo não se conseguia ter visibilidade sobre como é que se ia fazer e, de repente, quase que uma sensação pessoal que eu tenho é que houve massa crítica mundial para forçar. O acelerar das tecnologias e da… não do desenvolvimento tecnológico, mas sim de baixar até níveis que são economicamente competitivos. Isso conseguiu-se e eu acho que é muito interessante até verificar que os próprios modelos foram recorrentemente enganadores. Eles foram mais conservadores do que aquilo que se verificou, porque de facto, ao contrário do passado, houve uma população gigantesca de pessoas que se dedicaram a formar…

Catarina Barreiros: A fazer acontecer.

Sara Goulartt: Exatamente. E com isto o que é que se consegue? Hoje nós já vemos condições económicas para que esta transformação se dê e um setor que até há muito pouco tempo era um setor altamente penalizado do ponto de vista reputacional, porque responsável efetivo pelas emissões de gases com efeitos de estufa…

Catarina Barreiros: Mas sem grande alternativa de transição, não é?

Sara Goulartt: Mas difícil de perceber como é que… porque temos de nos lembrar que a eletricidade é um bem de primeira necessidade, não é? E, portanto, todos precisamos.

Catarina Barreiros: Temos de chegar a todos, não é?

Sara Goulartt: E por isso era um setor que sentia bastante espartilhado. “Sim, sim, queremos, mas como é que vamos fazer isto?”. E, de repente, as condições começam a existir. E é muito interessante ver que hoje é um setor que, de repente, é um setor capaz de ser uma solução. Uma solução para nós todos consumidores domésticos, mas uma solução para muitos outros setores que não conseguiam descarbonizar. 

Catarina Barreiros: A tal indústria.

Sara Goulartt: Ainda não tinham encontrado a forma de o fazer, como é o setor dos transportes. Por isso falar assim tanto. O setor… claro que todo o setor dos edifícios, o setor comercial, claramente pode ser todo desarborizado e uma parte ainda significativa da indústria. Agora não é… a eletricidade não vai resolver todos os problemas. A eletricidade renovável, vá, não vai resolver todos os problemas. Ainda há bastante… ainda há aqui desafios grandes, mesmos tecnológicos, mas sim, o setor hoje consegue responder e vai, não só ele descarbonizar, como ajudar os outros setores a descarbonizar. 

Catarina Barreiros: Certo. Porque é importante, a Júlia falava de como a Revolução Industrial marcou a utilização do carvão, do petróleo e do gás natural e no fundo foi a Revolução Industrial também que fez com que todas as indústrias e tudo à nossa volta começasse a produzir em massa e a fazer uma democratização dos produtos e do consumo e tudo ficou muito mais fácil. Portanto, claro que o setor da energia teria de ter um peso grande na responsabilidade, mas é interessante perceber que essa responsabilidade é partilhada com todos os outros serviços que usufruem também dessa energia, não é? Portanto, é bom a solução também poder chegar efetivamente…

Júlia Seixas: Em todo o caso… é isso mesmo o que a Sara referiu, mas convém pôr aqui em perspetiva, em contexto estes desenvolvimentos. Eu penso, que em termos globais, nós estamos numa encruzilhada. 

Catarina Barreiros: OK. 

Júlia Seixas: Numa encruzilhada, porque a verdade é que os dados, os balanços de 2019, de 2020 ainda não temos assim tanta informação, mas os de 2019 o que mostram é que 84% de toda a energia mundial ainda é de origem fóssil. 84%! Portanto…

Sara Goulartt: E mesmo a eletricidade. Ainda 67% de um modo geral ainda é de origem fóssil.

Júlia Seixas: E mesmo a eletricidade. Exatamente. 

Catarina Barreiros: Global, não é?

Sara Goulartt: Sim, global.

Júlia Seixas: Portanto as soluções existem. Em muitos países elas estão a entrar a uma velocidade bastante grande – esta transformação que a Sara referiu – mas pondo isto na perspetiva mundial, ainda temos um caminho muito grande pela frente e isso vai demorar ainda algum tempo. 

Sara Goulartt: Muito longo.

Catarina Barreiros: E especialmente porque estamos a falar de países do sul global que ainda estão a precisar de alavancar-se na energia e na eletricidade para fazer chegar à população os níveis de desenvolvimento que nós temos no norte global, não é? Portanto, isso significa que países com muitas pessoas, como a Índia, como… 

Júlia Seixas: Certo.

Catarina Barreiros: Ainda vão estar aqui a tentar…

Sara Goulartt: E mais pobres.

Júlia Seixas: Pois. Pronto. Pois, depende. Aí há vários estádios, digamos assim. Porque por exemplo, os grandes blocos como a… os grandes blocos emissores, China…

Catarina Barreiros: Certo. Cinha, Estados Unidos…

 Júlia Seixas: …Estados Unidos, China, a Europa, [00:10:00] a Rússia, a Índia e o Japão – penso que são estes seis que totalizam 65-70% das emissões – todos estes blocos de alguma maneira se sentem pressionados, desde logo até no contexto do Acordo de Paris para reduzirem as suas emissões a prazo. Foi uma grande notícia de 2020 foi o facto de a China anunciar que quer ser neutra em carbono em 2060. A Europa já o tinha feito em 2050. Mas por exemplo, a Rússia que anunciou uma redução das suas emissões em 2030, relativamente a 1990, não sabemos nada… tudo aponta para que a neutralidade carbónica da Rússia vá mais para o final do século. A Índia não manifesta… diz que sim, que está a fazer todos os esforços para reduzir internamente, e está, está a haver uma explosão gigantesca de solar fotovoltaico na Índia, mas… portanto, estes países que têm, digamos, a pressão mundial um pouco sobre eles sentem-se um pouco…

Catarina Barreiros: Responsabilizados.

Júlia Seixas: …responsabilizados. Mas há muitos outros países que de facto quando… como estava a referir do acesso à energia, e de acordo com a ODS7 o acesso à energia limpa e acessível, digamos, era bom que de facto, em termos internacionais, houvesse o contexto certo para que estes países fossem diretamente para último estádio que é o estádio…

Catarina Barreiros: Saltassem, sem passar pela casa de partida.

Sara Goulartt: Saltassem, sem passar pelos fósseis. Portanto, não precisam de passar pelo mesmo percurso que todos os outros países envolvidos tiveram que o fazer.

Catarina Barreiros: Hum-hum. É um assunto interessante, porque eu lembro-me que quando se estava a discutir já há 2 ou 3 anos numa das propostas do Acordo de Paris falava-se nisso que é: será justo pedir aos países que ainda não chegaram ao estádio de desenvolvimento não terem oportunidade de passarem o mesmo que nós? E, no fundo, é os outros todos juntarem-se e dizer assim “nós ajudamos a conseguirem fazer melhor do que nós”.

Júlia Seixas: Sim, porque uma coisa é ter acesso aos bens e aos serviços que permitem a esses países o desenvolvimento.

Catarina Barreiros: Outra coisa é a maneira como chega lá. 

Júlia Seixas: Outra coisa é a forma, e nomeadamente em termos de fósseis, de o fazer. Sim.

Sara Goulartt: As telecomunicações acho que são um exemplo, não é?

Júlia Seixas: Exato.

Sara Goulartt: África ficou com o telemóvel. Saltou o telefone.

Catarina Barreiros: Certo. Certo. É um belíssimo exemplo.

Sara Goulartt: Mas há um desafio grande. A verdade é que é um desafio grande em países que têm uma pobreza ainda enorme e só esse acesso às vezes…

Catarina Barreiros: Em que nem sequer há luz em casa. E dar luz a mais 10.000.000, 20.000.000, 100.000.000 de pessoas, de repente, representa…

Júlia Seixas: Mas isso é um movimento que tem vindo a melhorar. Nós temos que perceber… quer dizer, o número de pessoas sem acesso à eletricidade eu penso que atualmente anda à volta de 1000.000.000 ou coisa que o valha.

Sara Goulartt: 1000.000.000. Já está um bocadinho abaixo. Nos últimos anos, conseguiu-se reduzir um bocadinho.

Júlia Seixas: Está um bocadinho abaixo, OK. A questão é que a população mundial também está a aumentar, portanto, essa percentagem em termos relativos…

Sara Goulartt: Exatamente. Está sempre ali, não é?

Catarina Barreiros: É flexível.

Júlia Seixas: Exatamente. Portanto, tem de se andar mais depressa, uma taxa superior àquela em que a população está a aumentar.

Catarina Barreiros: Certo. Certo.

Júlia Seixas: Mas tem sido feito nos últimos 10 anos um esforço gigantesco e com resultados significativos. Aliás, um dos pontos negativos desta pandemia tem sido o atraso que se tem verificado nestes programas…

Catarina Barreiros: De desenvolvimento.

Júlia Seixas: …de desenvolvimento, precisamente. E que provavelmente vamos sentir um arrefecimento destes programas, sim.

Catarina Barreiros: E é interessante também perceber que a pobreza também é um assunto das alterações climáticas e também é um assunto da sustentabilidade. Nós temos que erradicar a pobreza. Aliás os ODSs também falam da erradicação da pobreza. E falou de arrefecer e eu achei muito oportuno porque ia-lhe perguntar precisamente do Acordo de Paris, não é? As metas são muito ambiciosas. Inicialmente falava-se em 1,5 ºC, estamos a tentar chegar ali aos 2 ºC. De 2 ºC não pode passar. O que é que nós temos de fazer para chegar a estes 2 ºC? Nós já falámos aqui de descarbonização, mas o que é que é preciso acontecer efetivamente, em termos práticos, para conseguirmos chegar a estes números tão ambiciosos?

Júlia Seixas: É preciso, por exemplo, que estes seis blocos que há pouco estávamos a referir estejam comprometidos e com as políticas certas para atingir a neutralidade carbónica. 2050, 2060, algures. É evidente que muitos estudos e vários cientistas têm dito que talvez seja um pouco tarde 2050, 2060. Devíamos acelerar no sentido de atingirmos a neutralidade carbónica um pouco mais cedo. E, nesse aspeto, por exemplo, o Conselho Europeu aprovou há duas ou três semanas a redução na Europa em 55% das emissões em 2030, quando a proposta inicial era até de 40. E, portanto, a Europa, de facto, aqui está a mostrar bastante liderança em termos de redução das emissões. Mas nós sabemos que estas transformações não são rápidas, temos que atender a todo o sistema de produção

[00:15:00] tudo o que nos alimenta – alimenta, não apenas de termos de alimentos, mas de gadget…

Sara Goulartt: De necessidades. 

Júlia Seixas: …de necessidade de roupa, de vestuário, de mobilidade, de tudo. Todo o sistema de produção tem que alterar e também toda… mesmo a parte do consumo. Eu creio que se focarmos apenas e exclusivamente a atenção no sistema de produção que é significativo e é aí que devem estar, no meu ponto de vista, as prioridades e os holofotes das políticas públicas, mas temos também de ter atenção ao consumo e às opções… e a uma educação para a sustentabilidade que eu penso que não existe ainda de forma transversal nas sociedades.

Catarina Barreiros: E que é muito difícil, não é? Ou seja, a educação para a sustentabilidade implica um nível de envolvimento com o tema que tem de ser muito adequado a cada idade e tem de ser… não é um assunto fácil.

Júlia Seixas: Exatamente. Mas se formos introduzindo, de facto…

Catarina Barreiros: Na escola. 

Júlia Seixas: …na escola, por exemplo. É por aí que tem que se começar, porque aí é que se dão as verdadeiras revoluções. É com as novas gerações desde muito cedo. Eu penso que conseguiremos. E não podemos… nós falamos em emergência climática, nesse sentido em que de facto vemos os anos a passar, vemos as conferências das Nações Unidas, ano após ano, e sentimos que andamos… fazemos a transformação muito lentamente, não é? Mas… e, portanto, há esta noção de emergência climática e todos nós enquanto consumidores mais ou menos organizados devemos fazer… devemos ter… devemos pressionar a política pública, os governos, da forma mais construtiva que conseguirmos. 

Catarina Barreiros: Hum-hum. Nem que seja votando.

Júlia Seixas: Votando. Desde logo, votando. Mas um pouco mais ativos se calhar. Fazer uso da chamada cidadania ativa, para este aspeto.

Sara Goulartt: Exatamente.

Catarina Barreiros: Certo, certo.

Júlia Seixas: Mas temos que ter a noção que a transformação… aquilo que está em cima da mesa é uma transformação como a humanidade nunca assistiu e, portanto, temos que também ter alguma calma e esperar que as políticas façam o seu efeito e esperar que… e, portanto, enquanto esta calma tem que perdurar era muito bom que essa educação para a sustentabilidade começasse já. Já! 

Catarina Barreiros: [sobreposição de vozes], pois.

Júlia Seixas: Exatamente. Com os jovens, com as crianças. 

Sara Goulartt: Sim. Eu acho que tem força. O consumidor tem força junto das empresas e eu acho que é preciso saber isso. Que é saber pedir, exigir mais transparência na informação, mais clareza. Eu acho que isso ajuda também as empresas a responderem de forma acertada, não é? E às vezes é mudar um bocadinho a forma como as empresas e o consumidor final se relacionam. E eu acho que por aí…

Catarina Barreiros: Ter uma relação efetiva. E não um provedor de serviços e um…

Sara Goulartt: Pois. Nós… sim, e pedagógica. Portanto, o consumidor, enquanto exigente, exigir que seja clarificado qual é o papel daquele produto…

Catarina Barreiros: Certo. Que está a consumir.

Sara Goulartt: E as empresas, por outro lado, também na explicação sobre como é que aquele produto chega ao mercado. O que é que aquilo quer dizer. E essa transparência deve ser incentivada.

Júlia Seixas: Para além da transparência, penso que há ainda muitas áreas de inovação por explorar.

Sara Goulartt: Ui! Claro.

Júlia Seixas: Que é… como é que o consumidor sabe e tem acesso, por exemplo, à história de um produto? É dificílimo. Neste momento, não existe.

Sara Goulartt: Exatamente. O que nós chamamos de passaporte do produto.

Júlia Seixas: O passaporte do produto, por exemplo. Nós não temos essa informação.

Catarina Barreiros: Por onde é que andou o produto, como é que foi feito, como é que chegou a mim?

Sara Goulartt: É, é.

Júlia Seixas: Exatamente. Já imaginaram a quantidade de trabalho que há aí para desvendar e para fazer? Novas estruturas, por exemplo, de informação que façam o rastreio do produto desde a sua origem. Tudo isto…

Catarina Barreiros: De forma clara.

Júlia Seixas: De forma clara. Existe competências, existe tecnologia para isso. Estamos a falar de sistemas digitais. Podemos estar a falar de embalagens inteligentes que nós podemos ver. E, portanto, está tudo… há imensa coisa para fazer.

Catarina Barreiros: É verdade.

Júlia Seixas: E, portanto, se há uma certeza que eu tenho – e eu sou professora na Universidade Nova de Lisboa e, portanto, faço… formo os engenheiros do ambiente – é se há uma coisa que eu tenho a certeza é que há uma necessidade enorme desta profissão e destas competências. Não quer dizer que seja o próprio engenheiro do ambiente, mas destas competências, no sentido de transformação do planeta para um estádio mais sustentável. 

Catarina Barreiros: Hum-hum. E essa transparência, essa informação eu acho que é o ponto chave para o consumidor, porque o consumidor não sabe, nem tem de saber a fundo…

Júlia Seixas: Exato. Tem de ser fácil para ele tomar opções.

Catarina Barreiros: Tem de ser fácil.

Sara Goulartt: É que é isso, é porque existem as competências, mas o tema é complexo, portanto, é preciso, não só chegar lá, como a seguir traduzi-lo. Traduzi-lo para o consumidor.

Catarina Barreiros: Sim, sim, sim. Que não seja…

Sara Goulartt: De forma a tornar… eu acho que a parte nutricional, por exemplo, fez isso muito bem, não é?

[00:20:00]

Júlia Seixas: Pois.

Sara Goulartt: Nós, hoje em dia… consegui eu pelo menos, não é?

Catarina Barreiros: Sim, descomplicou.

Júlia Seixas: Exato.

Sara Goulartt: Descomplica. Nós sabemos ali onde é que estão os açucares, onde é que está o sal. São três variáveis ou quatro e rapidamente…

Catarina Barreiros: Sabemos onde é que temos que estar alerta, porque tem havido comunicação nesse sentido e…

Júlia Seixas: Exato. Códigos de cores. 

Sara Goulartt: Sim. E esses códigos simplificados se o consumidor for educado a exigir, de alguma forma, eu acho que as empresas também naturalmente são capazes de responder. E ajuda a que entendam qual é que é o seu real impacto.

Catarina Barreiros: É, porque eu sinto que neste momento nós temos muitas certificações e o consumidor não faz ideia do que significam as certificações. É preciso essa ação generalizada, transversal.

Júlia Seixas: Sim, é preciso uma linguagem mais simples.

Catarina Barreiros: É. É.

Júlia Seixas: Porque o facto de um produto ser certificado, pode ser certificado em relação ao aspeto A, B, C e D. 

Catarina Barreiros: E não quer dizer nada em relação a Y e o consumidor acha que sim.

Júlia Seixas: Exatamente. Exatamente. Portanto, há todo aí um trabalho a fazer de desbravar e simplificar a linguagem da sustentabilidade para o consumidor. 

Sara Goulartt: E esse tema está identificado. Eu acho que ele, de alguma forma, até do ponto de vista europeu, no Green Deal, essa discussão existe sobre os… a rotulagem, a certificação da rotulagem. Mas eu acho também que é um caminho importante de trilhar. 

Catarina Barreiros: Era isso que eu ia dizer. Nós temos agora propostas da União Europeia – e se calhar íamos já ao próximo ponto da ação governamental – temos propostas da União Europeia de, por exemplo, balizar o que é o greenwashing e obrigar as marcas a explicarem ao consumidor em que é que o produto é melhor. E, se não souberem explicar, não poderão publicitá-lo. Portanto, isto é uma proposta da União Europeia e, como esta, existem outras propostas certamente interessantes em relação à ação climática. Ia perguntar se calhar qual é que é… ou quais é que são duas ações governamentais que já estão a ser postas em prática e o que é que ainda falta em termos de ação governamental concreta. O que é que falta para fazer para fazer com que todo este sistema, tudo isto que nós falámos, da clarificação para o consumidor, da produção toda ser mais transparente. O que é que falta acontecer a nível de política governamental, ação governamental para pôr em prática?

Júlia Seixas: Esta discussão que a Sara e a Catarina está a referir está a ser feita a nível da União Europeia e claro que, por contaminação boa, há de chegar e está a chegar aos estados-membros, mas ainda há muito… quer dizer, em termos de decisão governamental, penso não se… referiu em relação aos estados-membros, a nível nacional, ainda há… eu penso que há muito pouca coisa ainda.

Catarina Barreiros: OK, concreta.

Júlia Seixas: Quer dizer, já temos um grande lastro de comunicar com o consumidor. Há muitos códigos de comunicação com os consumidores. Mas para este em particular da sustentabilidade que é um tema muito complexo, porque nós temos que pensar que se eu tenho um produto que estou a consumir e que foi produzido numa região de Portugal, em Trás-os-Montes, no Alentejo, no Algarve, tenho também um que é concorrente que me dá o mesmo tipo de benefício, mas que vem ou da China ou da Índia, ou… onde for, não interessa. E, portanto, esta diferença é um mundo enorme. E é preciso que isso se transmita aqui, digamos, no consumidor final e que perceba o que é que está aí em causa. Sendo que temos que ter em atenção – e os níveis de complexidade de facto são grandes – que muitas vezes quando nós optamos por não consumir produtos que vêm de fora – pessoalmente eu tento fazer isso. Nós em Portugal temos muitos produtos que vêm do Perú, do México, etc. – eu também tenho uma consciência de que, ao mesmo tempo, eu estou a deixar de contribuir para uma série de desenvolvimento social nestes países. E, portanto, não é nada simples a decisão.

Sara Goulartt: Não é.

Catarina Barreiros: Até porque a nível, por exemplo, da alimentação, eu lembro-me de um estudo que vi há pouco tempo sobre a produção de tomate no Reino Unido e… não me lembro qual era o país, um país mais quente, em que compensava trazer o produto para o país mais longe porque a produção do tomate era mais eficiente naquele país por causa das condições climáticas.

Júlia Seixas: Claro.

Catarina Barreiros: Às vezes o mandar vir de fora tem benefícios também para a ação desse país…

Júlia Seixas: Mas isso é um exemplo muito conhecido. Por exemplo, a produção de hortícolas aqui em Portugal contra a produção das mesmas hortícolas no Reino Unido que têm que ser feitas em estufas

Catarina Barreiros: Hum-hum. Em estufa.

Júlia Seixas: Digamos, o consumo de energia associado às estufas é muito superior do que a produção…

Catarina Barreiros: Do que o transporte de Portugal para o Reino Unido.

Júlia Seixas: Do que o transporte de Portugal para o Reino Unido.

Catarina Barreiros: Isso era interessante estar numa embalagem, não é? Era interessante isto de se dizer quantos quilómetros viajou isto e qual o impacto desta embalagem. Ainda assim, compensa ou não compensa? 

Júlia Seixas: Pois.

Catarina Barreiros: Era interessante. Exigia uma grande transparência dos produtores todos.

Júlia Seixas: Exige uma perspetiva nova de abordar o problema do consumo. 

Catarina Barreiros: Certo.

Júlia Seixas: Exige uma cadeia de produção de informação e de veículo de informação que ainda não existe. 

Sara Goulartt: E uma rastreabilidade.

Júlia Seixas: E uma rastreabilidade. Portanto, de facto… mas eu penso que mais cedo ou mais tarde é aí que vamos chegar.

[00:25:00]

Sara Goulartt: É o caminho. É o caminho. 

Catarina Barreiros: Esta rastreabilidade já existe de certa maneira também na energia, não é?

Sara Goulartt: Sim. O nosso setor é um setor até bastante regulado. Nós, por exemplo, a fatura que toda a gente recebe a fatura a dizer quais são as emissões que temos, etc.. Não é?

Catarina Barreiros: Recebemos a fatura, recebemos. Sempre.

Sara Goulartt: Mas com as emissões, com a respetiva…

Catarina Barreiros: Certo, certo. 

Sara Goulartt: Sabemos quanto é que estamos a emitir e fazemos isso com transparência, mas reconhece-se que depende muito das dimensões das empresas, do setor de atividade.

Júlia Seixas: Claro. Claro. 

Sara Goulartt: E por isso não é igual para todos. Há um caminho que se vai fazendo, o que nós, por exemplo… por causa das faturas, também facilmente agora que já partilhamos as emissões de CO2 as pequenas empresas também já sabem quanto é que emitem de CO2. Portanto, isto é uma cadeia, cada um contribui com o seu papel, a soma das partes resulta numa facilidade acrescida para o consumidor final. Portanto é tapar. Uns já fazem, os outros não, mas a cadeia vai-se completando. 

Catarina Barreiros: É engraçado, estava a dizer “as pequenas empresas já sabem quanto é que emitem”, isso é muito engraçado porque já têm na sua mão ferramentas para fazer melhor todos os meses ou todos os anos, para poder, de alguma maneira, compensar as emissões que emitem, aquelas que não conseguem efetivamente diminuir e era giro isso acontecer para o consumidor, porque na realidade o consumidor sabe quanto é que emite, mas não faz ideia o que é que são 5 kg de dióxido de carbono.

Sara Goulartt: Pois, mas isso é mesmo difícil, não é? Eu própria não sei bem o que são 5 kg de dióxido de carbono. 

Catarina Barreiros: Acho que é difícil para toda a gente, mas era interessante a pessoa perceber onde é que está a gastar mais e menos, não é? Na mobilidade…

Sara Goulartt: Claro, é relativo. É na relação entre os produtos, na relação entre as escolhas. Sim, sim. Claro. Claro que sim.

Catarina Barreiros: Estávamos a falar aqui da ação governamental há bocadinho, viajámos aqui um bocadinho para assuntos muito interessantes e queria perguntar só em relação às empresas, nomeadamente do setor energético, porque é um dos setores mais pesados, mas também que está com mais tecnologia e que está a conseguir neste momento descarbonizar, mas em que é que a ação governamental pode ajudar a transição energética mais rápida?

Sara Goulartt: Porque isto é uma transformação. A realidade é que há determinadas tecnologias que… e modelos de negócio e tendências que vão um bocadinho à frente da própria regulação, não é? Portanto, o que acontece é que os governos têm de estar muito atentos àquilo que depois são barreiras de operacionalização. E isso tem acontecido e este setor tem acontecido em particular, porque há determinadas soluções que de repente se encontram, mas não há um enquadramento regulatório que permita a operacionalização. E muito recentemente o solar fotovoltaico… um dos temas que ficou congelado durante um tempo foi a história de podermos ter uma partilha no condomínio, porque não havia um enquadramento regulatório que permitisse isto. Hoje em dia, está resolvido. O que acontece é que é preciso haver um diálogo muito próximo entre quem compra, quem vende, quem regula. Há aqui um triângulo e depois há a academia que desenvolve e a inovação, porque nós temos de ser todos bastante frontais em identificar “olhe, nós queremos ir daqui para ali”, mas temos barreiras, que barreiras são estas? E se cada um conseguir identificar as barreiras facilmente e frontalmente, assumi-las de forma transparente, vamos cada um de nós fazendo o seu papel e é isso que está a acontecer. Eu acho que de facto o Acordo de Paris é a visão, não é? Em que o setor privado participa, colabora, chega à frente e diz: “Olhe, está bem, nós podemos fazer, mas quer dizer, ajudem-nos!”. Não é? “Ajudem-nos!” E este diálogo tem sido muito enriquecedor e hoje vemos os governos a reagirem de uma forma muito mais acelerada também. Por isso, do ponto de vista do enquadramento, há muitas situações distintas.

Catarina Barreiros: Enquadramentos legais, não é? Hum-hum.

Sara Goulartt: E principalmente o que acontece é que nós somos todos muito criativos, o ser humano. É verdade. É que às vezes, do dia para a noite, aparecem soluções extraordinárias, mas depois não têm o enquadramento regulatório e tudo isto demora muito tempo até conseguir operacionalizar.

Catarina Barreiros: Então, têm de ser criados os mecanismos legais. 

Sara Goulartt: Não. O que é que é preciso fazer? É preciso estarmos em constantes conversas uns com os outros o tempo inteiro a dizer “nós encontramos isto, mas isto aqui não se consegue por causa daquilo”, não é? Vem alguém que faz o enquadramento regulatório, vem alguém que identifica stakeholders, que de alguma forma possam ser afetados, porque normalmente às vezes há aqui trade offs que têm de ser avaliados. Mas eu diria que isso se está a fazer muito mais depressa… esta última década… os últimos 5 anos as coisas já acontecem a uma velocidade como não aconteciam quando eu me formei – não é? – há 20 anos atrás, porque para nós o tema tem muitos anos, não é novo, não é?

Catarina Barreiros: Claro, sim.

Sara Goulartt: Mas de facto parece que é sempre novo, porque as coisas acontecem muito depressa.

Catarina Barreiros: E a tecnologia evolui muito, não é?

Sara Goulartt: Muito depressa.

Catarina Barreiros: Tudo o que era verdade ontem, hoje pode ser menos relevante, não é?

Sara Goulartt: Sim. 

Júlia Seixas: Seja como for, é verdade, mas depende bastante da visão e do empenhamento político que determinado Governo ou determinada política pública coloca no tema. Da pressão que coloca no tema.

[00:30:00]

Catarina Barreiros: OK. OK. 

Júlia Seixas: E isso depende muito dos atores que em cada momento existem, aliás. O caso americano é um caso muito paradigmático.

Sara Goulartt: Era isso. Exatamente.

Júlia Seixas: Nós, nos últimos 4 anos, quer dizer, o tema das alterações climáticas…

Sara Goulartt: Desapareceu.

Júlia Seixas: Em termos de Governo Federal, ficou congelado.

Catarina Barreiros: Certo.

Júlia Seixas: Resta dizer que a sociedade americana é muito viva, é muito proativa…

Catarina Barreiros: As empresas também estão muito perto do cidadão, não é?

Júlia Seixas: As empresas e as cidades continuaram a fazer o seu caminho nesta transformação, portanto, não foi o facto, em termos federais, do Governo Federal… do tema estar parado que não…

Catarina Barreiros: Que nada aconteceu.

Júlia Seixas: Que nada aconteceu. Pelo contrário. E, portanto, e agora estamos expectantes e tudo indica que vamos tornar a ter os Estados Unidos no pelotão da frente, na tal ambição para a transformação em tempo útil do sistema mundial, porque se nós repararmos, por exemplo, um ponto importante que os governos… que está na mão dos governos é… tem a ver com um instrumento que é atribuir um preço às emissões de CO2. Na Europa, nós temos este mecanismo que é um mecanismo do Comércio Europeu de Licenças de Emissão em que estão presentes milhares de instalações industriais em que as instalações de energia também lá estão, seja a refinaria, sejam as centrais a carvão, a gás, etc.. E a verdade é que este mecanismo já existe desde 2005 e só nos últimos anos, por via de algumas melhorias na sua arquitetura, é que começou a chegar a patamares onde efetivamente tem impacto nas decisões. Eu confirmei hoje de manhã, fui ver, e estavam a ser negociadas a 30… à volta dos 30,00€ a tonelada de CO2, portanto, uma empresa, para uma instalação industrial emitir uma tonelada, tem que pagar…

Catarina Barreiros: OK. Tem de pagar, sim, exatamente.

Júlia Seixas: …através deste mecanismo equivalente a 30,00€. A verdade é que as análises que são feitas, nomeadamente por uma comissão que existe, que foi criada aqui há uns anos, no âmbito de uma COP e que é coordenada… dirigida pelo Stiglitz que é o Prémio Nobel e pelo Sr. Nicholas Stern que também é um professor muito – inglês – idóneo nestas matérias. Aquilo que avaliaram foi que para que toda a economia mundial esteja alinhada com os objetivos do Acordo de Paris, ou seja, reduzir as emissões, nós, neste momento, devíamos andar com preços à volta dos 50…

Catarina Barreiros: Euros a tonelada?

Júlia Seixas: Exatamente. 

Catarina Barreiros: OK. 

Júlia Seixas: E daqui a 10 anos, à volta dos 80/100. Portanto, ainda estamos abaixo.

Catarina Barreiros: OK. 

Júlia Seixas: E, portanto, é verdade, há muita coisa a acontecer, mas temos que ter esta…

Catarina Barreiros: Essa regulação é necessária de maneira mais urgente, mais…

Júlia Seixas: Exatamente. Exatamente. Porque o sinal preço em relação a muitos aspetos, sobretudo de produção é muito importante…

Catarina Barreiros: É tomar a decisão muitas vezes, não é?

Júlia Seixas: …para o gestor ou para o investidor decidir…

Catarina Barreiros: Entre duas alternativas.

Júlia Seixas: O próximo ciclo de investimento, não é este, o que está já está feito e é preciso ser rentabilizado. Mas o próximo ciclo de investimento de uma empresa tem que ter em atenção este sinal preço. E isso é muito… e é muito importante isso. E, portanto, depende…

Sara Goulartt: E é isso que ajuda a entrar a nova tecnologia, não é?

Júlia Seixas: Exatamente.

Sara Goulartt: As novas tecnologias têm o fator preço do CO2. Mas onde eu queria chegar aqui era um bocadinho ao papel que a comunidade decidiu, que nós enquanto cidadãos temos feito. A Europa é um exemplo disso e os Estados Unidos. Nós conseguimos ativamente forçar e por isso se vê os governos a andarem mais depressa, mas porque têm sociedades que são elas próprias ativas, exigentes e ambiciosas. E os governos respondem.

Catarina Barreiros: Os governos são eleitos pelas pessoas. 

Júlia Seixas: Claro.

Sara Goulartt: Sim. E não… num continente como o europeu, isso é visível, noutros menos e temos desafios grandes. Temos desafios grandes.

Catarina Barreiros: Mas é bom sinal termos o regresso esperado, muito esperado, dos Estados Unidos ao Acordo de Paris.

Sara Goulartt: Dos Estados Unidos. Claro, claro.

Catarina Barreiros: Por isso, se calhar, temos aqui…

Júlia Seixas: É importantíssimo. É importantíssimo.

Catarina Barreiros: A par da China, é o peso carbónico mais…

Júlia Seixas: Para além disso. É mais do que isso. Portanto, é a própria… é uma das… é a segunda a seguir à China, os Estados Unidos são…

Catarina Barreiros: Hum-hum. Os segundos maiores emissores.

Júlia Seixas: …os segundos maiores emissores. 

Sara Goulartt: Mas per capita são os que têm mais.

Júlia Seixas: Per capita são os campeões e bem destacados.

Sara Goulartt: Exatamente.

Catarina Barreiros: Porque também têm um poder de compra muito…

Sara Goulartt: É importante falar per capita.

Júlia Seixas: Sim, sim. O per capita é muito importante. Em termos de stock, digamos, de emissões, a China de facto é o primeiro. Mas no per capita, os Estados Unidos são destacadíssimos lá à frente. Mas também, para além deles próprios, servem de exemplo a muitos outros países, a muitos outros líderes políticos e, portanto, é muito importante…

Sara Goulartt: E o papel da inovação, não é? É um continente muito…

Catarina Barreiros: Dinâmico. 

Sara Goulartt: …muito dinâmico na área da inovação e…

Júlia Seixas: Certo.

Sara Goulartt: E isso também ajuda imenso ter a comunidade científica toda a canalizar [00:35:00] os seus esforços para ali.

Júlia Seixas: Para ali. 

Catarina Barreiros: Certo, certo, certo.

Júlia Seixas: A inovação e o sistema financeiro. 

Sara Goulartt: Claro. Sim. Claro.

Júlia Seixas: Que é brutal. Se formos ver, no fim do dia, ou no princípio do dia, neste caso, todos os grandes projetos, nomeadamente renováveis têm o espólio do

setor financeiro e, portanto, é muito importante o setor financeiro decidir onde é que vai pôr o seu próximo milhão de euros, ou o seu próximo milhão de dólares.

Catarina Barreiros: Claro. A sustentabilidade tem de funcionar com a tríade, não é? A economia, a sociedade, o ambiente.

Júlia Seixas: Exatamente.

Catarina Barreiros: E é importante estarem todos os stakeholders envolvidos nesta decisão.

Júlia Seixas: Exatamente.

Sara Goulartt: Sim, mas o setor financeiro é de facto o peso pesado, muito pesado.

Catarina Barreiros: Porque decide, não é? É o que estava a dizer há bocadinho, nós precisamos de dar energia a todas as pessoas, precisamos de o conseguir fazer economicamente, tem de ser viável, tem de ser… claro que o setor financeiro, nos Estados Unidos, se calhar, num regime um pouco mais capitalista que é mais profit-driven, não é? Está mais atrás do lucro, mas é necessário haver viabilidade financeira para uma empresa, não é? Portanto, se uma empresa tem uma tecnologia que não consegue implementar, às tantas é… fica difícil mudar o mundo com a boa vontade da empresa, não é? Ou com a…

Júlia Seixas: Mas por isso é que existem políticas públicas, porque se a tecnologia estiver numa fase inicial e precisar de ajuda, digamos assim, há políticas públicas, como aliás as renováveis aqui há 10,15 anos tiveram, para acelerar a entrada dessas tecnologias. E isso…

Catarina Barreiros: Claro, esta ação governamental, não é?

Júlia Seixas: …do ponto de vista da economia como um todo, faz muito sentido. Essa ajuda, digamos, às novas tecnologias para entrarem.

Catarina Barreiros: Hum-hum. Como estas taxas de que falámos. As taxas carbónicas.

Júlia Seixas: Exatamente. 

Catarina Barreiros: Se conseguirmos pôr tudo ao mesmo nível – não é? – se de repente uma alternativa mais sustentável for mais económica do que uma mais pesada, porque existe um pagamento carbónico, nesse caso é competitivo, não é?

Júlia Seixas: Claro. E é essa a função do preço do carbono precisamente.

Catarina Barreiros: Claro. É aí que entra o papel do Estado. Isto é, nós estamos a falar de três coisas que é… eu acho que a sustentabilidade vai sempre bater aqui, não é? Que é as empresas, cidadãos, governos. Nós temos que estar todos aqui muito em conjunto a falar.

Sara Goulartt: Em sintonia. 

Catarina Barreiros: E a minha questão se calhar mais difícil aqui será como é que vivemos enquanto cidadãos, o que é que nós podemos fazer ativamente hoje, quando acabarmos de ver este podcast, para fazermos a nossa parte? O que é que podemos fazer? Para qualquer uma das duas. A que quiser entrar aqui nesta… uma coisa que possamos fazer.

Sara Goulartt: Bem, já falámos isso, não é?

Catarina Barreiros: Sim.

Sara Goulartt: De facto, eu acho que há aqui um elemento bastante recente, enquanto que os combustíveis fósseis, até há muito pouco tempo, eram o real, o grande responsável, tronou-se muito evidente que todo o setor agroalimentar pesa, é preciso… pesa bastante. Estávamos a falar de 20%?

Júlia Seixas: 25%.

Sara Goulartt: 25% do total das emissões. Aqui estamos a incluir a desflorestação. Importante! E é um tema até para o país, a história dos fogos. A gestão do território é um tema para as alterações climáticas.

Catarina Barreiros: Preservação e a longevidade dos solos em Portugal.

Sara Goulartt: Mas pegando nisto, a alimentação é evidente. Eu acho que é uma discussão que se tem tido e que falávamos um bocadinho antes e, de facto, reduzir o consumo de carne de vaca é uma realidade. 

Catarina Barreiros: Certo. 

Sara Goulartt: Passando aqui ao meu setor, e depois dando lugar aqui à Júlia, a eficiência energética é um dos temas que se reconhece como menos agarrado na União Europeia e vemos agora apoios, porque é economicamente rentável, mas como se percebe, há uma grande fatia da população que não tem o dinheiro de investimento à cabeça.

Catarina Barreiros: Inicial. Capital inicial, não é?

Sara Goulartt: Capital inicial. Mas é um tema… portanto, nós entendermos, se conseguirmos ter disponibilidade financeira e por isso é que começa a haver apoios, que podemos fazê-lo, a eficiência energética dentro das nossas casas é uma coisa que podemos e devemos fazer.

Catarina Barreiros: Os condomínios e bairros.

Sara Goulartt: Sim. E agora temos a solução de condomínios, temos a solução das comunidades e devemos fazê-lo, não só pelo ambiente, mas porque economicamente ele é rentável. É uma área que eu diria que podemos fazer, devemos fazer e devemos apostar no futuro. Para além da carne de vaca que também devemos reduzir.

Júlia Seixas: Pois. Não sei a quem é que quer dirigir essa pergunta, se é mesmo ao cidadão e às suas opções de dia a dia.

Catarina Barreiros: Sim. Hum-hum. 

Júlia Seixas: Eu também elegeria o sistema alimentar global. O sistema alimentar global de facto é responsável por um quarto das emissões.

Sara Goulartt: É muito.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

Júlia Seixas: Podemos sistematizá-lo mais ou menos assim: um terço destas emissões são devidas é pecuária e às pescas, depois 25% é devida às culturas propriamente ditas…

Catarina Barreiros: Para alimentar pessoas e animais.

Júlia Seixas: Para alimentar pessoas e animais. Depois a seguir, temos as alterações de uso do solo à desflorestação. Quando nós fazemos uma desflorestação, estamos a fazer duplamente…

Sara Goulartt: Dois males. 

Júlia Seixas: A ter um problema duplo que é…

Catarina Barreiros: Biodiversidade. Perde a biodiversidade.

Júlia Seixas: Quando estamos a desflorestar e estamos a destruir um armazém de carbono, para as pessoas terem uma noção [00:40:00], de forma muito aproximada, 50% de um tronco de uma árvore é carbono e, portanto, é como se tivesse… uma árvore é um armazém de carbono, está ali direitinho. Quando nós cortamos estas… quando desflorestamos, quando cortamos estas árvores, este carbono, mais cedo ou mais tarde, vai parar à atmosfera, ou porque é queimado, ou é degradado pelos microrganismos que no fim transformam em CO2. Portanto, vai sempre parar à atmosfera. Sempre! Qualquer que seja o destino. Pode demorar mais tempo, ou menos tempo, ou mais anos. E depois estamos a deixar… portanto, estamos a destruir este armazém de carbono, a pôr este carbono na atmosfera e, portanto, a aumentar ainda mais o tal efeito estufa e estamos a deixar de ter as condições para absorver carbono da atmosfera e, portanto, é de facto um problema muito grave esta destruição, digamos. E eu estou a falar só do ponto de vista do CO2.

Sara Goulartt: Exatamente.

Júlia Seixas: Não estamos a referir aqui…

Sara Goulartt: Todas as outras variáveis.

Júlia Seixas: Todas as outras… serviços que uma floresta tem.

Catarina Barreiros: Certo.

Júlia Seixas: Como promoção da biodiversidade, por exemplo, ou retenção de água, a conservação dos solos, etc.. Esta é uma parte importante do sistema alimentar global. Do sistema global. E depois, finalmente, cerca de 15, 18% deve-se às cadeias de distribuição, ao consumo de energia associado à distribuição do sistema alimentar. 

Catarina Barreiros: OK. 

Júlia Seixas: E, portanto, no sistema alimentar, há aqui também duas coisas que a Sara já disse uma, que é muito importante, e isso está reconhecidíssimo por muitos estudos que é de facto o consumo da carne de vaca, que é muito consumidora de recursos.

Catarina Barreiros: Hídricos, carbónicos. [sobreposição de vozes] espaço.

Júlia Seixas: Água, etc.. E é bastante emissora, nomeadamente de metano. E, portanto, se toda a população mundial reduzir… não precisamos de ser vegetarianos. Não precisamos de ser vegetarianos, nem vegan. 

Catarina Barreiros: Precisamos de cortar no excesso. 

Sara Goulartt: Reduzir. Reduzir.

Júlia Seixas: Precisamos só de cortar no excesso. Já é uma ajuda muito importante. E a outra tem a ver com o desperdício alimentar, porque toda a energia e toda a água que se coloca para produzir uma peça de alimento, pá, se ela não é consumida e é desperdiçada, é de facto…

Catarina Barreiros: É um desperdício de todos os recursos.

Júlia Seixas: É muito… é de facto um problema terrível. Eu elegeria o sistema alimentar. Estes números dizem respeito ao sistema alimentar global, como é evidente, mas devíamos olhar para cada um dos nossos, sim.

Catarina Barreiros: Mesmo em Portugal, os relatórios portugueses apontam para um terço da comida desperdiçada. Quer dizer, num país pequeno onde a nossa proximidade com o produtor se calhar é privilegiada face a outros países europeus e mesmo mundiais, é muito.

Júlia Seixas: Pois.

Catarina Barreiros: E a maior parte do desperdício até se estima… bem, para além do desperdício do produtor, estima-se que uma grande parte está a ser feita nas nossas casas, tanto que quando eu vou ao supermercado, compro a mais, não guardo bem, não armazeno, não cozinho.

Júlia Seixas: Exato.

Catarina Barreiros: Quer dizer, tudo isto são coisas que podemos fazer facilmente, melhorar facilmente. E vou fechar com uma pergunta que se calhar… não quero pôr o tom mais mórbido que esta conversa até foi bastante positiva, mas como é que seria… nós temos que tentar quebrar as emissões ali para 1,5 ºC, 2 ºC, o que é que acontece, se não chegarmos lá?

Júlia Seixas: Bom, o IPCC fez um relatório só sobre isso. Porque é que devemos chegar a 1,5 ºC e não a 2 ºC em termos de temperatura global do planeta. E é um relatório que é muito… tem muita informação. Ora bem, se calhar, de forma simples para não… para a mensagem passar, eu diria que aquilo que nós conhecemos como… e que designamos como eventos extremos, por exemplo, as ondas de calor. A percentagem de população mundial que num cenário de 1,5 ºC está… fica sujeita a uma onda de calor extremo que acontece uma vez em cada 5 anos duplica se estivermos no cenário de 2 ºC. 

Catarina Barreiros: OK. 

Júlia Seixas: Estamos a falar de alguns milhões. 60.000.000, se a memória não me falha para…

Catarina Barreiros: 120.
Júlia Seixas: 120, 200.000.000. Se, por exemplo… outra questão tem a ver com as secas. E Portugal é muito sensível. Aliás, a bacia do Mediterrâneo em que os países do Sul da Europa estão aí contidos, mas também a América Latina que é um grande exportador de alimentos para toda a Europa. Nós importamos muitos alimentos e, portanto, atenção que nós não tivemos oportunidade de falar nos impactos das alterações climáticas, mas este… o mundo globalizado, a economia globalizada que nos deixa muito dependentes de outras regiões do planeta obriga-nos a olhar com muita atenção para aquilo que são o impacto das alterações climáticas nos países de onde nós importamos.

Sara Goulartt: Nas cadeias de fornecimento.

Júlia Seixas: Nas cadeias de fornecedores. E quando olhamos para a América Latina, a América Latina é um problema, de facto, [00:45:00] porque aparece em quase todas as projeções como um país… como uma região, um continente bastante problemático relativamente a secas e, portanto, a regiões sujeitas a stress hídrico, o que em relação a algumas culturas ou alguns produtos, pode significar…

Catarina Barreiros: Escassez.

Júlia Seixas: …escassez e disrupção de fornecimento, por exemplo. Esse é um problema também que realmente. E depois há um que eu sou particularmente sensível, estávamos aqui a conversar e que tem a ver… de facto, as alterações do clima, este aumento da temperatura global um dos impactos que tem é na alteração da distribuição dos ecossistemas. Os ecossistemas estão a mudar de sítio. Os mosquitos estão a subir pelas montanhas, coisa que há anos, 20, 30, 40 anos não se verificavam, em regiões montanhosas determinadas espécies de mosquitos.

Sara Goulartt: Em altitude.

Júlia Seixas: Em altitude. Portanto, os mosquitos estão a subir em altitude e em latitude para países mais frios também. E os mosquitos é só um exemplo. A distribuição dos padrões, por exemplo, de pescado também estão a alterar-se. Um dos impactos mais significativos que esse relatório do IPCC mostra tem a ver com a alteração dos ecossistemas que estão associados à existência de insetos. Os insetos são talvez dos organismos mais importantes, dos quais nós dependemos…

Catarina Barreiros: Sem eles, não comemos. 

Júlia Seixas: Exatamente. Sem eles, nós não comemos. As pessoas menos informadas não têm essa noção e, portanto, a diferença de 1,5 ºC para 2 ºC significa qualquer coisa como 6% da população de insetos para 18% da população de insetos afetada, porque as condições climáticas dos seus ecossistemas de facto se alteraram.

Catarina Barreiros: Portanto, a conclusão a que chegamos é que nós não sobrevivemos com mais 1,5 ºC, 2 ºC. [sobreposição de vozes] 1,5 ºC.

Júlia Seixas: Podemos sobreviver, vamos ter é custos muito elevados. A pergunta não é se sobrevivemos, é qual é o custo de viver com esse clima.

Catarina Barreiros: Exato. Como é que… exatamente. A que custo é que nós… exatamente. Portanto, resta-nos dizer que é agora ou nunca!

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